Palestra gratuita - As Relações Internacionais e os Quadrinhos


As relações internacionais são retratadas em formatos diversos, cada qual ressaltando elementos e realidades diferentes. E se, até décadas atrás, o mundo era descrito através de livros, amarrados na descrição particular das palavras, os quadrinhos vêm surgindo como uma nova opção, pela capacidade de dar a imagens e texto um peso equilibrado. Neste molde, diversos momentos históricos foram retratados por diferentes pontos de vista, de forma artística e complexa, variando formatos narrativos, traços e discursos. A relação entre as relações internacionais e as HQs vem para enriquecer as formas de enxergar o mundo e as suas relações políticas e culturais. 

Professor João Daniel Almeida: 
Historiador, Mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, foi professor da graduação e da pós-graduação em Relações Internacionais da UCAM e PUC-Rio. Leciona História do Brasil para a carreira diplomática desde 2002.

Dia 4 de março, das 19h às 21h. 

O número de vagas é limitado!

Av. Graça Aranha, 145, sobreloja - Centro, Rio de Janeiro - RJ.

Por que a (in) segurança cidadã na América Latina?






Heraldo Muñoz






Artigo de Heraldo Muñoz, subsecretário-geral da ONU e diretor regional do PNUD para América Latina e Caribe, publicado no jornal espanhol El País:

"A América Latina teve um desempenho econômico notável na última década,
 acompanhado de uma redução significativa dos níveis de pobreza e, em alguns países, também dos níveis de desigualdade.

Se compararmos a situação atual com o que acontecia há duas décadas,
 a região tem agora economias mais fortes e integradas, democracias 
consolidadas e estados que assumiram maiores responsabilidades na proteção social. 
Mas o lado fraco da região é o crime, a violência e a insegurança.

Com diferentes intensidades entre os países, a região sofre com uma epidemia de violência,
 acompanhada pelo crescimento e disseminação do crime, bem como pelo medo crescente
entre os cidadãos. Entre 2000 e 2010, a taxa de homicídios na região aumentou 11%, enquanto
 a maioria das regiões do mundo registrou diminuição. Se considerarmos os países que
disponibilizam dados entre 1980 e início dos anos 90, veremos que os roubos quase
 triplicaram nos últimos 25 anos, em comparação com momento atual.

Além disso, 1 em cada 10 roubos ocorrem de forma violenta, em grande parte com o uso
 de armas de fogo; 1 em cada 10 latino-americanos já foram vítimas de violência doméstica.
 Em um dia típico na América Latina, 460 pessoas sofrem com as conseqüências da violência
 sexual – as mulheres são a maioria.

A deterioração da segurança não ocorreu de maneira uniforme. Quando separamos os crimes
 por países, encontramos duas  Américas Latinas: uma em que a violência letal é a que
mais aflige a população, com países que sofrem verdadeiras espirais de violência; e outra em
que os níveis de homicídios são relativamente baixos, mas o aumento súbito e considerável
 de crimes contra o patrimônio desencadeou a sensação de insegurança entre os cidadãos.

Ao mesmo tempo, no interior dos países, a situação é heterogênea, com municípios
 e estados que apresentam indicadores comparáveis aos de países da Europa
e lugares onde os homicídios são ainda maiores do que nos países em guerra.

Os latino-americanos têm menos pobreza, menos desigualdade e democracias
 relativamente estáveis na região, mas níveis mais elevados de insegurança. O que aconteceu?

Essa é uma das questões centrais que o Programa das Nações Unidas para o
 Desenvolvimento (PNUD) assumiu através da elaboração em curso de um Relatório
de Desenvolvimento Humano para a América Latina, que tem como tema central a segurança cidadã. 

O Relatório identifica quatro pontos para responder a essa pergunta. Primeiro, os Estados
 da região ainda sofrem com déficits nas áreas jurídica e de segurança. Isso se
reflete em níveis alarmantes de impunidade, crises que afligem os sistemas penitenciários
 e desconfiança dos cidadãos em relação às instituições policiais e judiciárias.

É precisamente à luz de tais déficits que a privatização da segurança tem ganhado força,
o que tende a provocar um aumento na desigualdade de acesso à segurança e deixa
sem solução os desafios que o Estado tem de enfrentar com o principal garantidor da segurança cidadã.

Em segundo lugar, o Relatório observa que a região tem crescido mais em quantidade
do que em qualidade: ainda há fragilidades em matéria de emprego, defasagem na inclusão
de populações mais jovens,  crescimento urbano acelerado acompanhado por rupturas no
 tecido social e classes médias vulneráveis.

Terceiro, os laços comunitários, como escola, família e comunidade perderam a força em
 alguns contextos como dispositivos sociais que permitem desenvolver formas positivas
 de convivência. A insegurança reconfigurou o tecido social das sociedades latino-americanas,
 reduzindo os espaços de cooperação, confiança e participação cidadã e proporcionando,
em alguns casos, formas organizacionais distorcidas pelo medo e pela desconfiança,
como a chamada "justiça feita com as próprias mãos".

Em quarto lugar, o aumento e a gravidade das ameaças à segurança, tanto em  espaços
 públicos quanto privados, limitam seriamente as capacidades  e as liberdades dos
 latinos-americanos. Enquanto o crime organizado ganhou notoriedade como um catalisador
 da violência e da criminalidade em nível  local e transnacional,  o envolvimento cotidiano
 dos cidadãos neste contexto mostra que eles estão expostos a muitas outras ameaças,
 como a criminalidade de rua, a violência doméstica e a violência contra os jovens, e que essas
 ameaças estão interligadas e se retroalimentam na prática.

Esses quatro pontos revelam a complexidade e multiplicidade dos problemas subjacentes
 à insegurança. Além disso, eles exigem que se pense em respostas  globais de políticas
 públicas, incluindo o papel que desempenham os atores não-estatais e a comunidade
 internacional. Sabemos que temos de passar da reflexão à ação, com respostas criativas
 e inovadoras, aprendendo com os acertos e erros.

 Assim, o objetivo mais importante do Relatório de Desenvolvimento Humano para a América
 Latina 2013 – que conta com o apoio de especialistas de renome, representantes da vida
 pública e da sociedade civil – é contribuir para a criação de políticas públicas melhores e
mais eficazes, a fim de proteger os cidadãos da América Latina."

Projeto Mundo Limpo - Limpeza de Praia

O Projeto MundoLimpo é um projeto ambiental da cidade de Salvador-BA.


Com a ação de recolhimento/limpeza de suas praias.  O objetivo é o recolhimento/limpeza

do lixo das praias e conscientização de seus banhistas. 

A participação é a aberta ao público, e as informações sobre as edições serão dadas aqui na

nossa página no facebook e no evento da mesma.


Qualquer informação ou dúvida? Estamos aqui pra ajudar-lhes!



Provando que a iniciativa faz a diferença!


Facebook: Projeto Mundo Limpo

A renúncia do Papa tem um significado político




O Vaticano viveu no pontificado de Bento XVI uma crise a respeito de sua influência social e política, agravada pela perda de credibilidade moral com os escândalos de pedofilia e a crise financeira.



renúncia do Papa é apresentada como uma decisão pessoal, devido à idade. Evidentemente, é preciso buscar as razões de fundo para um gesto inédito nos anais recentes da Igreja e que enfraquece ainda mais a sua credibilidade.

Os pontificados ficam historicamente identificados com alguns dos fatos ou decisões mais importantes que marcaram esses períodos. O Papa Pio XII, contemporâneo do nazismo e aliado de Hitler na sua ascensão ao poder, ficou indelevelmente marcado por essa aliança. 

Mas no passado o que resta na memória popular de Papas como Rodrigo Borgia, ou Alexandre VI, senão a reputação de cruel e devasso, que nomeou o próprio filho Cesare Borgia, além de muitos outros parentes, como cardeais? De Júlio III, a nomeação como cardeal-sobrinho do amante de 17 anos, Innocenzo.

De Joseph Ratzinger, o Bento XVI, o elemento mais marcante do seu pontificado, antes da renúncia, parecia que iria ser a denúncia pública da pedofilia no clero. Poderá essa renúncia tirar o foco desse problema e a sua sucessão lançar uma cortina de fumaça que oculte a série de escândalos?

Trago nestes breves comentários, de alguém que não é um vaticanólogo, apenas algumas evidências disponíveis para qualquer leitor de jornais de que essa renúncia não é um raio em céu claro. Que evidências são essas?

Uma crise já antiga de perda de influência 

As de que o Vaticano viveu no pontificado de Bento XVI uma crise já antiga de perda de influência social e política, agravada pela perda da credibilidade moral com os escândalos de pedofilia. 

Mas ao se tratar dessa instituição, não se deve esquecer que ela é, do ponto de vista financeiro, uma das maiores multinacionais do planeta, com investimentos em bancos, corporações, reservas de ouro, etc. (MANHATTAN, 1983 mostrou a dimensão dessa fortuna).

No ano passado, a Igreja Católica viveu outra crise com as revelações de corrupção e negociatas feitas a partir dos documentos revelados pelo mordomo do Papa, no que ficou conhecido como Vatileaks. Dessa vez, a culpa não era do mordomo, que foi preso, processado, condenado e depois perdoado.

O Banco do Vaticano (o "banco mais secreto do mundo" como diz a revista ‘Forbes’ (JORISH, 2012) é o IOR (Instituto das Obras da Religião), fundado em 1942. Nesse período, o Vaticano vinha de uma colaboração com o regime nazi, por parte de Pio XII, mas, ainda antes disso, de uma colaboração mais estreita com Mussolini, que concedeu ao Vaticano em 1929 a assinatura do Tratado de Latrão com o estado italiano.

Esse tratado, também conhecido como Concordata, foi o que permitiu o reconhecimento do Vaticano como um Estado dentro de outro Estado, incluindo a gestão das próprias finanças e a manutenção da influência política sobre a Itália que ficava com o catolicismo como religião oficial, o ensino confessional nas escolas públicas e outras vantagens ao clero. Só em 1978 houve uma alteração que tornou a Itália uma República laica e o divórcio foi aprovado.

Rompendo o isolamento em que o Vaticano havia ficado desde a vitória da república italiana em 1870, Mussolini concedeu também vultosas indenizações à Igreja. Parte desse dinheiro foi aplicado em Londres em aquisições imobiliárias que hoje alcançam o valor de cerca de meio milhar de milhões de libras esterlinas, embora o valor real permaneça secreto, apesar das denúncias recentes do jornal ‘The Guardian’ (LEIGH; TANDA; BENHAMOU, 2013).

Os interesses econômicos do Vaticano também são afetados pela crise global, o que levou inclusive que em 2012 ocorresse o maior déficit fiscal em muitos anos no Vaticano, de cerca de 19 milhões de dólares (VATICAN, 2013). Nessa crise também incide o custo financeiro com os processos por pedofilia.

Os escândalos de pedofilia: custo moral e econômico

Os escândalos de pedofilia, além do custo moral, têm um preço econômico com os processos e indemnizações que, só nos EUA, chegaram a três bilhões de dólares em mais de três mil processos abertos, com 3.700 clérigos denunciados, 525 presos, a maioria dos quais condenados e cumprindo penas.

Desde os anos de 1950 até hoje cerca de seis mil sacerdotes já foram denunciados nos Estados Unidos por abusos sexuais contra crianças, o que equivale a 5,6% do total do clero dos EUA (SCHAFFER, 2012). Figuras de proa da Igreja, como o líder dos Legionários de Cristo, no México, Marcial Maciel, foram denunciados por pedofilia e outros abusos.

Bento XVI protegeu setores diretamente nazis do clero, como o bispo Richard Williamson, negacionista do Holocausto que havia sido excomungado por João Paulo II, e cuja excomunhão foi revogada por Bento XVI em 2009. 

Apesar disso e de ter atendido aos interesses de setores ultraconservadores da Opus Dei e do Caminho Neocatecumenal, cerrando fileiras com partidos como o PP na Espanha para impor os planos de austeridade e flertando com a extrema-direita europeia, Bento XVI teria desagradado a esses setores ao tentar reconhecer parte dos escândalos de pedofilia para buscar limpar a reputação da Igreja. Isso levou um colunista de ‘El País’ a avaliar que a renúncia foi resultado da pressão desses setores ultrafundamentalistas (MORA, 2013).

Seja por causa das acusações de corrupção ou de pedofilia, a renúncia acrescenta uma nota ainda mais decadente a um Papa que dedicou o seu pontificado a um apostolado de intolerância e repressão contra homossexuais, mulheres, muçulmanos e movimentos sociais. Num momento de crescimento da extrema direita católica na sua faceta mais fascista, como o caso do terrorista católico norueguês Breivik, o Papado de Ratzinger foi um ponto de apoio para a homofobia, o racismo, o sexismo, a intolerância e a perda de direitos sociais dos trabalhadores.

"Mudar para tudo continuar igual"

É provável que se jogue com a carta de ‘Il Gattopardo’, de Lampedusa, "mudar para tudo continuar igual", mas para isso, os recursos da inteligência publicitária da Igreja podem contar com novidades, como o primeiro papa não europeu da história, o que não deixará de manifestar mais uma vez um dos sintomas maiores da crise global do catolicismo, a sua condição essencialmente branca e ocidental. 

Um papa negro ou latino-americano não conseguirá alterar esse fato: a Ásia e a África permanecem imunes à religião imperial que o sistema de Estados europeu trouxe em sua colonização global.

A participação do Vaticano nos interesses globais do capitalismo também não deve deixar a Igreja imune à onda de revolta anticapitalista que cresce especialmente nas duas margens do Mediterrâneo.

A recente aprovação pela Câmara Baixa do Parlamento francês da união matrimonial homossexual é só mais um sintoma de que os interesses patriarcais, misóginos e machistas do clero também estão a perder lugar na definição da ordem legal e do quadro dos direitos civis do século XXI.

A última monarquia absolutista europeia, o Vaticano, sofre no gesto de renúncia daquele que foi consagrado como o "vigário de Cristo", ou seja, o seu substituto, uma derrota simbólica profunda, pois demonstra falta de coragem e obstinação em carregar uma cruz até o final. A convivência de um novo papa com o ex-papa também esvazia a mística monárquica individual desse vicariato místico, dividindo em dois o corpo do substituto de Cristo na Terra.

Referências bibliográficas:

JORISCH, Avi. The Vatican Bank: The Most Secret Bank In the World. Forbes, 26 jun. 2012. Disponível em: http://www.forbes.com/sites/realspin/2012/06/26/the-vatican-bank-the-mos...
LEIGH, David; TANDA, Jean François; BENHAMOU, Jessica. How the Vatican built a secret property empire using Mussolini's millions. The Guardian, Monday 21 January 2013. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/world/2013/jan/21/vatican-secret-property-empi...
MANHATTAN, Avro. The Vatican Billions. Chino, CA: Chick Publications Year: 1983.
MORA, Miguel. Los movimientos ultracatólicos ganan la partida. El País, 1º Feb. 2013. Disponível em: http://internacional.elpais.com/internacional/2013/02/11/actualidad/1360...
SCHAFFER, Michael D.. Sex-abuse crisis is a watershed in the Roman Catholic Church's history in America. Phylly.com, 25 Jun. 2012. Disponível em: http://articles.philly.com/2012-06-25/news/32394491_1_canon-lawyer-catho...
VATICAN posts record-high budget deficit: $19M. CBSNews, 5 Jul. 2012. Disponível em: http://www.cbsnews.com/8301-202_162-57466929/vatican-posts-record-high-budget-deficit-$19m/

Henrique Carneiro é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Este artigo foi publicado no blogue Convergência 

Agitação global no médio prazo



As previsões de curto prazo envolvem demasiadas reviravoltas imprevisíveis no mundo real. Mas se pode tentar fazer afirmações plausíveis para o médio prazo. Haverá forças populares, em todo o mundo, que vão procurar criar um novo tipo de sistema histórico, que nunca existiu até agora, baseado na democracia relativa e na relativa igualdade?




Fazer previsões no curto prazo (os próximos um ou dois anos) é um jogo de doidos. Há demasiadas reviravoltas imprevisíveis no mundo real político/cultural/económico. Mas podemos tentar fazer afirmações plausíveis para o médio prazo (uma década ou mais), baseados num quadro teórico viável, combinado com uma sólida análise empírica de tendências e de condicionamentos.

Que sabemos do sistema-mundo no qual vivemos? Em primeiro lugar, sabemos que é uma economia-mundo capitalista, cujo princípio básico é a incessante acumulação de capital. Em segundo lugar, sabemos que é um sistema histórico, o qual, como todos os sistemas (desde o universo como um todo aos menores nano-sistemas) tem uma vida. Começa a existir, vive a sua vida “normal” de acordo com regras e estruturas que cria, até que, em determinado ponto, o sistema fica demasiado longe do equilíbrio e entra numa crise estrutural. Em terceiro lugar, sabemos que o nosso presente sistema-mundo tem sido um sistema polarizado, no qual houve um crescimento constante da brecha entre os Estados e dentro dos Estados.

Estamos numa destas crises estruturais atualmente, que já decorre há 40 anos. Vamos continuar a estar durante outros 20 a 40 anos. Esta é a duração média para uma crise estrutural de um sistema social histórico. O que acontece numa crise estrutural é que o sistema se bifurca, o que significa essencialmente que emergem duas formas alternativas de pôr fim à crise estrutural “escolhendo” coletivamente uma de duas alternativas.

A característica principal de uma crise estrutural é a série de flutuações caóticas e selvagens que atinge tudo – os mercados, as alianças geopolíticas, a estabilidade das fronteiras dos Estados, o emprego, as dívidas, os impostos. A incerteza, mesmo no curto prazo, torna-se crónica. E a incerteza tende a congelar a decisão económica, o que, evidentemente, torna tudo pior.

Eis algumas coisas que podemos esperar no médio prazo. A maioria dos Estados enfrentam, e vão continuar a enfrentar, um aperto entre a redução da arrecadação e os gastos crescentes. O que a maioria dos Estados tem feito é reduzir os gastos de duas formas. Uma é cortar (até mesmo eliminar) uma grande quantidade de redes de segurança que foram construídas no passado para ajudar as pessoas comuns a enfrentar as múltiplas contingências com que se deparam. Mas há também uma segunda forma. Muitos Estados estão a cortar as transferências de dinheiro para entidades estatais subordinadas – estruturas federadas, se o Estado é uma federação, e governos locais. O que isto faz é apenas transferir para estas unidades subordinadas a necessidade de aumentar impostos. Se consideram isto impossível, podem ir à bancarrota, o que elimina outras partes das redes de segurança (nomeadamente as pensões).

Isto tem um impacto imediato sobre os Estados. Por um lado, enfraquece-os, na medida em que mais e mais unidades procuram separar-se, se o consideram economicamente vantajoso. Mas, por outro lado, os Estados são mais importantes que nunca, na medida em que as populações procuram refúgio nas políticas de proteção estatais (mantenha o meu emprego, não o teu). As fronteiras estatais sempre mudaram. Mas prometem mudar com mais frequência agora. Ao mesmo tempo, novas estruturas regionais ligando Estados existentes (ou as suas subunidades) – tais como a União Europeia (UE) e a nova estrutura sul-americana (UNASUR) – vão continuar a florescer e a desempenhar um papel geopolítico crescente.

As relações entre os múltiplos atores do poder geopolítico tornar-se-ão ainda mais instáveis numa situação na qual nenhum destes atores estará em posição de ditar as regras entre os Estados. Os Estados Unidos são um antigo poder hegemónico com pés de barro, mas ainda com poder suficiente para causar danos ao dar passos em falso. A China parece ter a posição económica emergente mais forte, mas é menos forte do que a própria e outros pensam. O grau em que a Europa ocidental e a Rússia se vão aproximar ainda é uma questão em aberto, e tem muita importância na agenda de ambos os lados. A Índia ainda mantém a indecisão sobre como vai jogar as suas cartas. O que isto significa para guerras civis como a da Síria, no momento, é que os intervenientes externos anulam-se uns aos outros e os conflitos internos tornam-se ainda mais organizados em torno de grupos identitários fratricidas.

Vou reiterar a posição que defendo há muito. No fim de uma década, veremos alguns realinhamentos muito importantes. Um é a criação de uma estrutura confederal ligando o Japão, a (reunificada) China, e a (reunificada) Coreia. O segundo é uma aliança geopolítica entre esta estrutura confederal e os Estados Unidos. O terceiro é uma aliança de facto entre a UE e a Rússia. O quarto é a proliferação nuclear numa escala significativa. O quinto é o protecionismo generalizado. O sexto é uma deflação mundial generalizada, que pode tomar uma de duas formas – ou uma redução nominal de preços, ou inflações galopantes que têm a mesma consequência.

Obviamente, não são desenlaces felizes para a maioria das pessoas. O desemprego mundial vai subir, não cair. E as pessoas comuns vão sentir o aperto de forma muito aguda. Já demonstraram que estão prontos a reagir em múltiplas formas, e esta resistência popular vai crescer. Encontrar-nos-emos no meio de uma vasta batalha política para determinar o futuro do mundo.

Os que gozam hoje de riqueza e privilégios não vão ficar parados. Contudo, vai-se tornar crescentemente evidente para eles que não podem garantir o futuro no sistema capitalista existente. Vão procurar implementar um sistema baseado não no papel central do mercado mas antes numa combinação da força bruta e de engano. O objetivo chave é assegurar que no novo sistema permaneçam três elementos chave do presente – hierarquia, exploração e polarização.

No outro lado, haverá forças populares, em todo o mundo, que vão procurar criar um novo tipo de sistema histórico, que nunca existiu até agora, baseado na democracia relativa e na relativa igualdade. É quase impossível prever o que isto significa em termos de instituições que o mundo criará. Vamos aprender na décadas futuras a construir este sistema.

Quem vai ganhar esta batalha? Ninguém pode prever. Será o resultado de uma infinidade de nano-ações por uma infinidade de nano-atores numa infinidade de nano-momentos. Nalgum ponto, a tensão entre as duas soluções alternativas vai inclinar-se definitivamente a favor de uma ou de outra. É isto que nos dá esperança. O que cada um de nós faz em cada momento acerca de cada questão imediata é de grande importância. Alguns chamam-lhe o “efeito borboleta”. A vibração das asas de uma borboleta afeta o clima do outro lado do mundo. Neste sentido, somos todos, hoje, pequenas borboletas.

*Publicado originalmente no Esquerda.net

EUA e União Europeia negociam livre comércio para enfrentar China


EUA e União Europeia negociam livre comércio para enfrentar China

Em uma declaração conjunta, o presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy, o dos EUA, Barack Obama, e o da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, assinalaram que estão comprometidos a aprofundar uma relação transatlântica “equivalente à metade da produção global e a quase um trilhão de dólares anuais”. Na mira, está a China.



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Londres - Os Estados Unidos e a União Europeia (UE) anunciaram o início de negociações para a formação da maior zona de livre comércio do mundo. Em uma declaração conjunta, o presidente Barack Obama, o do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e o da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, assinalaram que estão comprometidos a aprofundar uma relação transatlântica “equivalente à metade da produção global e a quase um trilhão de dólares anuais”.

O anúncio foi acompanhado por uma solitária frase do discurso do Estado da União, proferido terça-feira à noite por Obama, quando ele anunciou o início das negociações “porque um comércio livre e justo é a base de milhões de postos de trabalho nos Estados Unidos”. Essa frase foi o ponto de partida que estavam esperando na Europa mandatários como a chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro ministro britânico David Cameron que se manifestaram em mais de uma oportunidade a favor de um tratado. “Eliminar as barreiras comerciais que restam para assegurar um amplo acordo não será fácil e exigirá valentia de ambas as partes, mas será amplamente benéfico”, disse Cameron, um dos primeiros políticos europeus a reagir ao anúncio.

Com um 2013 incerto à vista e o permanente desafio da Ásia no horizonte, a possibilidade de um Tratado de Livre Comércio é um dos poucos caminhos que os países desenvolvidos têm para sair no médio prazo da areia movediça deixada pelo estouro da crise financeira de 2008. Nos EUA estava claro quem era o principal competidor. “Os Estados Unidos e a União Europeia estão enfrentando o desafio global colocado pela China. Creio que a melhor maneira de combater esse desafio é nos unirmos”, assinalou Bill Reinsch, presidente do National Foreign Trade Council dos Estados Unidos, um grupo que promove o livre comércio.

Um caminho cheio de pedras
O potencial é indiscutivelmente imenso. Segundo algumas estimativas, os intercâmbios comerciais e de serviços chegam a cerca de US$ 3 bilhões diários. As tarifas alfandegárias são baixas – uma média de 3% -, mas sua eliminação em um intercâmbio tão massivo suporia um gigantesco estímulo e uma significativa poupança que poderia ser dirigida para o consumo doméstico, um setor que precisa de estímulo dos dois lados do Atlântico apesar do sobreendividamento ocorrido na década passada do dinheiro fácil.

Não resta dúvida que ambas as partes precisam disso. Enquanto Ásia, América Latina e África tem uma respeitável perspectiva de crescimento para este ano, a União Europeia, com o marasmo da zona do euro, o gigantesco endividamento e os programas de austeridade, está lutando para evitar a recessão, enquanto que os Estados Unidos sofreram uma contração no último trimestre do ano passado e necessitam um crescimento menos esquelético que o atual para recuperar o terreno perdido.

O reiterado fracasso da Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC), que começou em 2001 depois dos atentados contra as torres gêmeas e teve uma tentativa de retomada em 2011, é parte do plano de fundo desta busca de acordos bilaterais que se multiplicaram nos últimos anos. Mas os obstáculos para uma zona de livre comércio EUA-UE também são gigantescos. Se o anúncio de Obama foi música da Merkel e Cameron, o som foi um pouco mais dissonante para o presidente da França, François Hollande, sempre preocupado com qualquer ameaça aos subsídios agrícolas que equivalem a quase 40% do orçamento europeu.

O tema agrícola – que atravancou a negociação de um tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia – não é o único obstáculo. Um verdadeiro pesadelo é a harmonização regulatória das indústrias automotriz, farmacêutica, alimentar e de brinquedos em ambos os lados do Atlântico. Esta harmonização é tão complicada que não está inteiramente resolvida no interior dos 27 países que compõem a UE. Outro caso que promete longas batalhas diz respeito aos alimentos geneticamente modificados que enfrentam fortes obstáculos na Europa.

O fantasma do Mercosul-UE
A brevidade do anúncio de Obama – uma única frase com um infinito potencial – pode se dever a que não havia muito mais o que dizer ou a que, segundo a imprensa estadunidense, o grupo da UE e dos EUA que está trabalhando sobre o tema só pode dar a luz verde na própria terça-feira, poucas horas antes do discurso do presidente. Esse grupo discutiu durante mais de um ano para ver se as negociações serão para chegar a um acordo limitado a tarifas alfandegárias ou a um acordo mais amplo, cobrindo meio ambiente, agricultura, indústria farmacêutica e automobilística.

Os pessimistas assinalam que uma negociação de fundo levará anos. O modelo Mercosul-UE é um exemplo das dificuldades. No final de 1995, ambos firmaram um Acordo Marco Interregional (AMI), passagem prévia a um Tratado de Associação, baseado no livre comércio, na cooperação e no diálogo político. Dezoito anos depois está claro que o livre comércio foi a tumba do assunto, apesar do que, na última sessão plenária da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em dezembro, a presidenta argentina, Cristina Fernández, apoiou uma aceleração das negociações com a União Europeia, desde que se “fale de igual para igual”.

Segundo o professor de Relações Internacionais da Universidade de Nottingham, Andreas Bieler, a crise econômica mundial, que pode complicar a negociação EUA-UE, poderia também acelerá-la, sobretudo quando o fantasma asiático está batendo à porta dos países desenvolvidos. “Este tipo de competição com a China pode empurrar para um acordo, apesar de que em muitas áreas ainda não há uma competição direta com a China que tem muito mais comércio em exportações baratas, enquanto os Estados Unidos e a União Europeia estão mais centrados em produtos mais sofisticados”, disse Bieler à Carta Maior.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

As mudanças climáticas e o mito do progresso huma




Por Carta Maior

Aceitar emocionalmente um desastre iminente, atingir a compreensão visceral que a elite do poder não vai responder de forma racional à devastação do ecossistema, é tão difícil de aceitar como nossa própria mortalidade. A luta existencial mais difícil do nosso tempo é a de ingerir esta terrível verdade - intelectualmente e emocionalmente - e continuar a resistir às forças que estão nos destruindo. O artigo é de Chris Hedges.



Clive Hamilton em seu "Réquiem por uma Espécie: Por que resistimos à verdade sobre a mudança climática", descreve um alívio sombrio que vem de aceitar que a "catastrófica mudança climática é praticamente certa". Esta obliteração de "falsas esperanças", diz ele, exige um conhecimento intelectual e um conhecimento emocional. O primeiro é atingível. O segundo, por significar que aqueles que amamos, incluindo os nossos filhos, estão quase certamente fadados à miséria, insegurança e sofrimento dentro de poucas décadas, senão de alguns anos, é muito mais difícil de adquirir. Aceitar emocionalmente um desastre iminente, atingir a compreensão visceral que a elite do poder não vai responder de forma racional à devastação do ecossistema, é tão difícil de aceitar como nossa própria mortalidade. A luta existencial mais difícil do nosso tempo é a de ingerir esta terrível verdade - intelectualmente e emocionalmente - e continuar a resistir às forças que estão nos destruindo.

A espécie humana, liderada por europeus e euro americanos brancos, tem sido um alvoroço de 500 anos de conquistas, saques, pilhagens, explorações e poluições da Terra, bem como matando as comunidades indígenas que estavam no caminho. Mas o jogo acabou. As forças técnicas e científicas que criaram uma vida de luxo sem precedentes - bem como inigualável poder militar e econômico - para as elites industriais agora são nossa desgraça. A mania de expansão econômica e de exploração incessante tornou-se uma maldição, uma sentença de morte. Mas assim como nossos sistemas econômicos e ambientais desvendam-se, após o ano mais quente em 48 estados desde que a manutenção de registros começou há 107 anos, não temos a criatividade emocional e intelectual para desligar o motor do capitalismo global. Juntamos-nos a uma máquina do fim do mundo que tritura tudo em seu caminho, como o projeto de relatório do Comitê Consultivo Nacional do Clima e Desenvolvimento ilustra. Ilustração por Mr. Fish.

Civilizações complexas têm o mau hábito de destruírem-se. Antropólogos, incluindo Joseph Tainter em "O Colapso das Sociedades Complexas", Charles L. Redman em "Impacto Humano em Ambientes Antigos" e Ronald Wright, em "Uma Breve História do Progresso" estabeleceram os padrões familiares que levam ao colapso do sistema. A diferença desta vez é que, quando descermos, todo o planeta irá conosco. Não haverá, com este colapso final, novas terras para explorar, nem novas civilizações para conquistar, nem novos povos para subjugar. A longa luta entre a espécie humana e a Terra terminará com os remanescentes da espécie humana aprendendo uma dolorosa lição sobre a ganância desenfreada e a autoadoração.

"Há um padrão no passado da civilização após civilização desgastando suas boas-vindas da natureza, superexplorando seu ambiente, super expandindo-se, super povoando", disse Wright quando fiz contato com ele por telefone em sua casa em British, Columbia, Canadá. "Eles tendem a entrar em colapso pouco depois de chegarem ao seu período de maior esplendor e prosperidade. Esse padrão vale para uma série de sociedades, entre eles os romanos, os antigos maias e os sumérios do que é hoje o sul do Iraque. Há muitos outros exemplos, incluindo sociedades de menor escala como a Ilha de Páscoa. As mesmas coisas que fazem com que as sociedades prosperem no curto prazo, especialmente novas maneiras de explorar o ambiente, tais como a invenção da irrigação, levam ao desastre no longo prazo por causa de complicações imprevistas. 

Isto é o que eu chamei de "armadilha do progresso" em "Uma Breve História do Progresso". Temos colocado em movimento uma máquina industrial de tal complexidade e tal dependência em expansão que não sabemos como fazer com menos ou mudar para um estado de equilíbrio em termos de nossas demandas da natureza. Nós temos falhado em controlar o número de humanos. Eles triplicaram durante minha vida. E o problema é muito pior pelo crescente espaço entre ricos e pobres, a concentração de riqueza garante que nunca tem o suficiente para todos. O número de pessoas em extrema pobreza, hoje, é cerca de dois bilhões, maior do que toda a população do mundo no início de 1900. Isso não é progresso”.

"Se continuarmos a não tomar conta das coisas de uma forma ordenada e racional, iremos a algum tipo de catástrofe, mais cedo ou mais tarde", ele disse. "Se tivermos sorte, será grande o suficiente para nos despertar em todo o mundo, mas não grande o suficiente para nos eliminar. Isso é o melhor que podemos esperar. Devemos transcender a nossa história evolutiva. Nós somos caçadores da Idade do Gelo, de barba feita e vestindo um terno. Nós não somos bons pensadores para longo prazo. Nós gostaríamos de desfiladeiro sim nos de mamutes mortos conduzindo um rebanho de um penhasco que descobrir como conservar o rebanho para que ele possa alimentar a nós e aos nossos filhos para sempre. Isto é a transição que nossa civilização tem que fazer. E nós não estamos fazendo isso."

Wright, que em seu romance "Um Romance Científico" pinta um retrato de um mundo futuro devastado pela estupidez humana, cita "arraigados interesses políticos e econômicos" e uma falha da imaginação humana, como os dois maiores obstáculos à mudança radical. E todos nós, que usamos combustíveis fósseis, que nos sustentamos através da economia formal, diz ele, estamos em Sociedades capitalistas modernas, Wright argumenta em seu livro "O que é a América?: Uma Breve História da Nova Ordem Mundial", derivam de invasores Europeus, a pilhagem das culturas indígenas das Américas do 16 ao século 19, juntamente com o uso de escravos africanos como uma força de trabalho para substituir os nativos. 

Os números desses nativos caíram mais de 90% por causa da varíola e outras pragas que não existiam antes. Os espanhóis não conquistaram nenhuma das principais sociedades até a varíola os atingir; de fato, os astecas os venceram de primeira. Se a Europa não foi capaz de aproveitar o ouro das civilizações asteca e inca, se não tivesse sido capaz de ocupar a terra e adotar culturas altamente produtivas do Novo Mundo para uso em explorações agrícolas europeias, o crescimento da sociedade industrial na Europa teria sido muito mais lento. Karl Marx e Adam Smith chamaram atenção para o fluxo de riqueza das Américas como tendo feito a Revolução Industrial e possível o início do capitalismo moderno. Foi o estupro das Américas, ressalta Wright, que acionou a orgia de expansão europeia. A Revolução Industrial também equipou os europeus com sistemas de armas tecnologicamente avançados, criando mais subjugação e pilhagem, tornando a expansão possível.

"A experiência de 500 anos relativamente fáceis de expansão e colonização, a constante assunção de novas terras, levou ao mito capitalista moderno que você pode expandir para sempre", disse Wright. "É um mito absurdo. Nós vivemos neste planeta. Nós não podemos deixá-lo e ir para outro lugar. Temos que trazer nossas economias e demandas da natureza dentro dos limites naturais, mas nós tivemos 500 anos em que os europeus, euro americanos e outros colonos invadiram o mundo e o dominaram. Esta execução de 500 anos fez com que a situação parecesse não só fácil, como normal. Nós acreditamos que as coisas vão sempre ficar maior e melhor. Temos que entender que este longo período de expansão e prosperidade era uma anomalia. Ele raramente aconteceu na história e nunca vai acontecer de novo. Temos que reajustar nossa civilização inteira para viver em um mundo finito. Mas nós não estamos fazendo isso, porque nós estamos carregando bagagem demais, versões míticas demais da história deliberadamente distorcidas e um sentimento profundamente arraigado de que ser moderno é ter mais. Isto é o que os antropólogos chamam uma patologia ideológica, uma crença autodestrutiva que leva sociedades a se destruírem e queimarem. Estas sociedades continuam fazendo coisas que são realmente estúpidas, porque elas não podem mudar sua maneira de pensar. E é aí que nós estamos".

E, enquanto o colapso se torna palpável, se a história humana é um guia, nós como sociedades passadas em perigo vamos recuar em que os antropólogos chamam de "cultos de crise." A impotência que sentiremos do caos ecológico e econômico irá desencadear delírios mais coletivos, como a crença fundamentalista em um deus ou deuses que vão voltar à Terra e nos salvar.

"Sociedades em colapso muitas vezes acreditam que se certos rituais são realizados todas as coisas ruins vão embora", disse Wright. "Há muitos exemplos disso ao longo da história. No passado, estes cultos de crise aconteceram entre as pessoas que haviam sido colonizadas, atacadas e mortas por pessoas de fora, que perderam o controle de suas vidas. Eles veem nesses rituais a capacidade de trazer de volta o mundo passado, o que enxergam como uma espécie de paraíso. Eles procuram voltar ao modo de como as coisas eram. Cultos de crise espalharam-se rapidamente entre as sociedades americanas nativas no século 19, quando os búfalos e os índios estavam sendo mortos, por fuzis e pistolas, armas de fogo. As pessoas passaram a acreditar, como aconteceu no Ghost Dance, que se fizessem as coisas certas, o mundo moderno, que era intolerável, - o arame farpado, as ferrovias, o homem branco, a metralhadora - desapareceria".

"Nós todos temos a mesma fiação psicológica básica", disse Wright. "Isso nos faz muito mal em planejamento de longo prazo e nos leva a apegar-nos a ilusões irracionais, quando confrontado com uma ameaça séria. Olhe para a crença da extrema direita de que se o governo desaparecesse, o paraíso perdido da década de 1950 iria voltar. Olhe para a forma de como estamos deixando a exploração de petróleo e gás seguir em frente, quando sabemos que a expansão da economia do carbono é suicida para os nossos filhos e netos. Os resultados já podem ser sentidos. Quando se chega ao ponto onde grande parte da Terra experimenta quebra de safra ao mesmo tempo, teremos fome e colapsos em massa. Isso é o que está por vir se não lidarmos com as mudanças climáticas.”

"Se falharmos neste grande experimento, esta experiência de macacos se tornarem inteligentes o suficiente para assumir o comando do seu próprio destino, a natureza não se importará e dirá que foi divertido por um tempo deixar os macacos executar o laboratório, mas no final foi uma má ideia”, disse Wright.

(*) Chris Hedges é colunista para Truthdig.com. Hedge se formou em Harvard Divinity School e foi durante quase duas décadas correspondente estrangeiro para o New York Times. Ele é o autor de muitos livros, incluindo: A Guerra É Aquela Força Que Nos Dá Sentido, O Que Todos Deveriam Saber Sobre Guerra, e Fascistas Americanos: A Direita Cristã e a Guerra na América. Seu livro mais recente é Império da Ilusão.

Máfias e dinheiro fácil acabam com o esporte



Por Carta Capital
Seriam 425 jogadores, árbitros, dirigentes e outros intermediários envolvidos no maior escândalo de manipulação de resultados na história do futebol. Nada menos do que 680 partidas disputadas principalmente no Velho Continente, mas também na África, Ásia e na América Latina, entre 2008 e 2011, teriam sido “compradas”, segundo a Europol.
    Foto: Franck Fife/AFP
Segundo a rede noticiosa BBC, somente no campeonato alemão foram injetados 16 milhões de euros, para um retorno de 8 milhões de euros.A sede dessa rede mafiosa, em Singapura, teria ramificações mundo afora.
E o quadro é ainda pior do que parece. Rob Wainwright, o diretor da Europol, diz que as últimas revelações são “apenas a ponta do iceberg”.
A Europol é a polícia da União Europeia que combate a criminalidade organizada.
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No esporte mais popular do mundo, o mais importante é o dinheiro fácil. E aqueles injustos cartões vermelhos e gols anulados fazem sentido nesse campo comandado pelas máfias internacionais.
No entanto, sabemos que a corrupção rola solta no futebol faz tempo. De fato, o senhor Sepp Blatter, presidente da FIFA, poderia estar envolvido em mais este caso de corrupção: qualificações para a Copa do Mundo fariam parte desse esquema mafioso desmantelado pela Europol.
E na semana passada, o semanário francês France Football revelou que houve pouca transparência por parte da Federação Internacional de Futebol ao confiar a organização da Copa de 2022 ao Catar.
É claro, essa corrupção a permear o futebol não é de hoje. Antes de Blatter tivemos outros nebulosos administradores, como o brasileiro João Havelange.
Mais trágico ainda é o fato de que não são somente entusiastas do futebol a sofrer com essas revelações. Escassos dias atrás, vimos o ex-ciclista Lance Armstrong admitir com sua cara de jogador de poker que sem coquetéis de drogas jamais teria vencido sete Tours de France.
Lavagem de dinheiro, drogas e partidas “compradas”. Nós, mortais, nem sequer nos identificamos mais com os superatletas, quase todas e todos super drogados.
Somente agora as organizações de tênis se deram conta que os tenistas também poderiam estar tomando coquetéis de drogas. Os testes para esses atletas não têm sido tão rigorosos.
Diante de materiais que aumentam a velocidade da bola, tenistas cada vez mais parecidos com super-heróis, os quais, após partidas intermináveis, se recuperam para jogar no dia seguinte (e eles não têm como evitar esse ritmo, dado o crescente número de torneios e patrocinadores), cabe a seguinte pergunta: o tênis, como o ciclismo, o futebol e outros esportes não estaria também mergulhado nesse mundo no qual o vencedor é o empresário, ou mafioso, e não o torcedor em busca daquela jogada que o coloca em estado de êxtase?

Irã rejeita nova oferta de diálogo do governo americano

Por Carta Capital


TEERÃ (AFP) – O guia supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, rejeitou nesta quinta-feira 7 a oferta dos Estados Unidos de iniciar negociações bilaterais sobre o polêmico programa nuclear enquanto Washington continuar a impor sanções econômicas ao Irã.
Aitolá Ali Khamenei discursa em Teerã, 23 de agosto, 2012. Foto: ©afp.com

“Vocês (americanos) querem negociar enquanto apontam a arma para o Irã. A nação iraniana não será intimidada por ações deste tipo”, disse durante um discurso para comandantes da Força Aérea.
As declarações do aiatolá foram uma resposta à oferta apresentada pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para incluir o Irã diretamente na solução da questão nuclear.
“Alguns se alegram com a oferta de negociações … (mas) negociações não vão resolver nada”, completou.
O todo-poderoso Khamenei tem a palavra final em todos os temas importantes na república islâmica, incluindo as atividades nucleares sensíveis do Irã e a política externa.

Mudança sobre direitos autorais ‘racha’ comunidade artística


Por Carta Capital:

Marcelo Pellegrini e Paloma Rodrigues
 Resultado da CPI que investigou o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) no ano passado, o Projeto de Lei Suplementar 129/12 mal saiu do papel e já promete criar um dos maiores rachas do universo cultural brasileiro. A proposta pretende garantir mais transparência ao órgão que movimenta quantias milionárias a cada ano e que recebeu 21 indiciamentos de dirigentes e funcionários por supostas fraudes e improbidade administrativa.
Antes de decisão do Congresso, Frejat, do Barão Vermelho, compara escritório a uma "ditadura". Para Sandra de Sá, CPI foi um "circo"
Antes de decisão do Congresso, Frejat, do Barão Vermelho, compara escritório a uma “ditadura”. Para Sandra de Sá, CPI foi um “circo”











O Ecad é o órgão brasileiro responsável por arrecadar e distribuir toda a verba proveniente dos direitos autorais no Brasil. Não é pouco. Apenas em 2011 a entidade arrecadou 411,8 milhões de reais.
O problema, segundo parte dos profissionais diretamente envolvidos com a questão, está nos critérios de preços, na transparência dos dados e na distribuição dos recursos. Hoje, estima-se que apenas 92,6 mil autores recebem pelos direitos autorais, num universo de 300 mil filiados.
O vocalista Frejat, líder do Barão Vermelho, está entre os 92 mil músicos que recebem os repasses, mas diz ter motivos para se mostra descontente com o funcionamento do órgão. “Hoje a distribuição dos direitos autorais no Brasil é injusta e perversa”, afirma. “Eu não quero o que não é meu, mas também não quero que ninguém fique com o meu. Eu quero o que é justo.”
Um dos problemas apontados por críticos como Frejat é o critério de amostragem definido pelas músicas que tocam nas rádios (95%) e na televisão (5%). Enquanto isso, casas de diversão, como bares, boates e casas de show ficam fora do sistema. O dono do estabelecimento tem o repertório e envia para o Ecad, que paga por amostragem. “É um critério inconsistente porque o que toca em um bar de samba de raiz não é o que mais se escuta em uma rádio”, explica Tim Rescala, da Associação de Intérpretes e Músicos (Assim). Por esse critério, explica ele, “paga-se uma coisa com o universo de outra”, completa Tim. “Todas as rádios do Brasil são operadas por, pelo menos, um computador. Por que o Ecad não pede a planilha mensal com a programação dessas rádios?”, indaga Frejat. “O Ecad não faz o melhor que pode”.
O investimento em tecnologia do escritório é voltado para a arrecadação e não para a distribuição, entoam o grupo formado por Tim e Frejat. “Hoje, o Ecad se preocupa em como arrecadar mais e não em como distribuir melhor”, afirma Tim.
Em resposta, o Ecad afirma, por nota, que os critérios de arrecadação e distribuição, como o processo amostral, são definidos pelas associações que compõem a Assembleia Geral do Ecad.  Além disso, a amostragem é um critério utilizado no mundo todo. “Em um país com as dimensões continentais do Brasil e com a quantidade de usuários de música existentes (rádios, tevês, estabelecimentos comerciais, etc) não é possível que a distribuição seja feita por censo”, diz.
Uma das soluções encontradas pelo escritório para este problema foi a segmentação da distribuição de direitos autorais através de rubricas específicas como Casas de Festas, Mídias Digitais, Movimento Tradicionalista Gaúcho e Casas de Diversão (bares, boates, drinquerias), “que contemplam compositores e artistas cujas músicas tocam apenas nestes meios de execução musical”.  Uma outra medida citada na nota foi a regionalização da distribuição de rádio, adotada em 2005, como um caminho para uma distribuição mais coerente.
No que se refere ao investimento tecnológico, o escritório cita um investimento de cerca de 20 milhões de reais, nos últimos 5 anos, no desenvolvimento de soluções tecnológicas para modernização dos seus sistemas de arrecadação e distribuição. Entre as soluções estão a gravação e identificação automática, 24 horas por dia, 7 dias na semana, das músicas executadas nas rádios.
Parte do problema, para o Ecad, está no alto índice de inadimplência, que chega a já chega a mais de 900 milhões de reais anuais. “Existem usuários que utilizam música publicamente, mas não querem pagar o direito autoral, quando deveriam pagar”, diz a nota.
De outro lado, a ala a qual pertence Sandra de Sá e Jairzinho, entre outros, defende que o escritório deve resolver seus próprios problemas, sem ser exposto a uma CPI ou a uma regulamentação federal. “Em vez de a gente ficar aqui falando uma série de coisas, vamos sentar todo mundo junto e conversar: usuário, criador, Ecad, sociedade. Inclusive vai ficar mais barato do que esse circo todo [CPI]“, disse Sandra de Sá em uma sessão da CPI do Ecad, em 2011.
Democracia e transparência
Para o grupo de Frejat, no entanto, falta transparência e democracia nos processos de decisão do órgão. “As decisões não são debatidas com os associados. Quem se interessa não consegue ter acesso aos dados, como atas, reuniões e definições de critérios para os preços”, aponta Frejat.
Em suma, o Ecad, como se encontra hoje, é um órgão incapaz de resolver internamente seus problemas e, por isso, a questão movimenta tanto os bastidores do Congresso, que tem o compromisso de votar o projeto até março.
A deputada federal Jandira Feghali, líder da Frente Parlamentar de Cultura, e os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Lindbergh Farias (PT-RJ) sugeriram na CPI reformas no escritório e um órgão de regulação. Foto: Antonio Cruz/ ABr
A deputada federal Jandira Feghali, líder da Frente Parlamentar de Cultura, e os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Lindbergh Farias (PT-RJ) sugeriram na CPI reformas no escritório e um órgão de regulação. Foto: Antonio Cruz/ ABr
O Projeto de Lei, em tramitação no Senado, trabalha em duas frentes distintas e polêmicas. Por um lado, sugere reorganizar a estrutura do escritório a fim de dar mais publicidade e transparência na gestão dos recursos e na definição de critérios para o pagamento dos direitos autorais. Em outra frente, deixa para o Executivo a tarefa de criar um órgão permanente de fiscalização.
“Há que se ter algum grau de fiscalização do Estado sobre um monopólio privado ou um escritório de interesses coletivos”, afirma a deputada federal Jandira Feghali, líder da Frente Parlamentar de Cultura. “O Estado deve retomar seu papel de fiscalizador”, completa a deputada, fazendo menção ao antigo órgão de fiscalização extinto pelo governo Collor, em 1990, o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA).
Apesar do aparente avanço, a iniciativa de fiscalização coleciona críticas de dentro do Ecad e enfrenta movimentações de bastidores para ser derrubada. Em declaração assinada por Glória Braga, superintendente executiva do Ecad, o escritório diz que “está claro que o PLS 129/12 é tendencioso, tecnicamente insustentável e apresenta inconstitucionalidades flagrantes”.
O comunicado também desqualifica o processo pelo qual o projeto foi concebido. Segundo a nota, o projeto não é fruto do processo legislativo ordinário, pois tem sua origem em uma CPI cujo relatório final, “desconsiderou todos os depoimentos técnicos apresentados”.
Ditadura. “O Ecad virou uma ditadura, sem transparência e sem voz dos associados”, afirma Frejat. Atualmente, o peso de voto das nove associações que compõem o Ecad é definido por arrecadação apenas. Hoje, 90% da arrecadação seguem para duas sociedades – a UBC e a Abramus -, segundo o compositor Tim Rescala, da Assim.
Das nove sociedades que compõem o Ecad, duas não têm direito a voto, enquanto outras – como a Assim, de Tim Rescala, tem direito a um voto apenas. A Abramus possui 13 votos.
Essa situação, reclama Frejat, “é um dos impeditivos do processo democrático dentro do Ecad”. Soma-se a isso a permanência das mesmas pessoas em cargos-chave dentro das associações por muito tempo. “A Abramus possui o mesmo presidente há mais de 20 anos, enquanto outras fazem um revezamento do cargo entre diretores”, conta Tim. “Essa concentração de poder, por si só, já não é uma democracia”, completa, defendendo a necessidade de um órgão de fiscalização externo ao escritório.
Em nota, o Ecad declara que não teme qualquer tipo de supervisão desde que venha a ser realizada sem viés político, dentro dos limites constitucionais, e que preservem o direito do autor de fixar o preço pela utilização de sua obra. Contudo o órgão, não enxerga com bons olhos uma interferência externa. Na mesma nota, o Ecad diz que “o PLS 129/12 prevê a possibilidade do Ministério da Justiça atuar administrativamente para a resolução de conflitos sobre valores a serem cobrados se arrogando na prerrogativa constitucional conferida unicamente aos criadores”.
Enquanto o escritório vive uma indefinição sobre se será fiscalizado ou não, a alternativa possível para quem discorda dos critérios do órgão é a Justiça. Para Frejat, hoje o Ecad tem um investimento muito maior no setor jurídico do que no aprimoramento de suas funções. “O Ecad é quem define o preço e paga, sem discussão. Se o músico não gostar ele vai na Justiça, que dá ganho de causa para o escritório, porque os critérios de pagamento são do próprio órgão”, conta. “Eles não perdem uma (ação). Não queremos o confronto, mas o Ecad não nos deixa opção, tem que ser na marra”.

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