Criador do site WikiLeaks, que no ano passado divulgou milhares de
documentos confidenciais da diplomacia norte-americana, o australiano
Julian Assange é o pivô de um impasse diplomático envolvendo o Equador,
Reino Unido, Suécia, Austrália e Estados Unidos.
Ainda em 2011, após ter sua prisão preventiva decretada pelos EUA,
Assange, que vivia na Suécia, foi acusado de estupro e assédio sexual
contra duas jovens. Morando no Reino Unido na ocasião, teve sua
extradição solicitada pela Justiça sueca.
Após um período de detenção e uma série de audiências, o australiano
obteve liberdade condicional, mas antes que as cortes britânicas
decidissem se ele seria enviado para Estocolmo, decidiu buscar refúgio
na Embaixada do Equador em Londres --país para quem também pediu asilo
político-- onde está desde o dia 19 de junho.
Nesta quinta-feira o governo equatoriano aceitou o pedido, mesmo depois
de ter sido "ameaçado" pelo Reino Unido, cujo Ministério das Relações
Exteriores indicou a possibilidade de ordenar que policiais invadam a
embaixada para prender Assange e enviá-lo à Suécia.
O caso deu início a uma série de rusgas diplomáticas envolvendo os dois
países diretamente. Também envolveu de forma indireta a Austrália, país
natal que, segundo Assange, vem falhando em lhe proteger, e os Estados
Unidos, para onde ele teme ser entregue pelas autoridades suecas.
Entenda os possíveis desfechos para o impasse:
1. Assange consegue o salvo-conduto e torna-se asilado político
Mesmo após ter recebido asilo político, o australiano só pode deixar a
embaixada e chegar até um avião caso a Justiça britânica lhe conceda uma
autorização, conhecida como salvo-conduto.
Embora já tenha se manifestado contrária à medida, a Grã-Bretanha pode
mudar sua posição, o que daria a luz verde para que ele chegue ao
Equador, onde poderá viver livremente e até mesmo receber a
nacionalidade equatoriana.
De acordo com a Convenção de Refugiados, de 1951, da qual Equador e
Grã-Bretanha são signatários, todos os países são obrigados a oferecer
asilo a pessoas que correm risco de morte, perseguição política ou danos
graves caso sejam entregues a outras autoridades.
No caso de Assange o asilo é "diplomático", pois ele busca proteção de
outra nação mesmo permanecendo em território do país onde é procurado
pela Justiça.
Ele diz ser alvo de perseguição política e teme ser entregue aos EUA,
onde poderia sofrer pena de morte. A mesma convenção, no entanto,
argumenta que uma pessoa perde o direito de asilo caso se comprove que
tenha cometido um crime grave que não seja de natureza política entes de
solicitar abrigo.
Estupro e assédio sexual, acusações que Assange enfrenta na Suécia, são crimes que se enquadram nestas características.
Ainda de acordo com a Corte Europeia de Direitos Humanos, países da
União Europeia são proibidos de realizar extradições para países em que
um cidadão pode enfrentar a pena capital.
2. O Reino Unido mantém a posição de negar o salvo-conduto
Nesta quinta-feira o Reino Unido deixou claro que não dará tal permissão ao australiano.
Na prática, isto significa que a partir do momento em que ele não
estiver sob proteção diplomática equatoriana poderá ser preso pela
polícia metropolitana de Londres.
No entanto, de acordo com o direito internacional e a Convenção de
Viena, que regula as regras da diplomacia desde 1961, veículos e malotes
para envio e recebimento de documentos diplomáticos não podem ser
revistados, confiscados ou retidos.
Os malotes podem ser de qualquer tamanho, o que em tese abriria a
possibilidade de Assange deixar o prédio em um container, mas as regras
só valem para documentos e materiais de escritório.
Caso ele conseguisse embarcar em um carro ainda dentro das instalações
da embaixada, estaria novamente vulnerável no momento de embarcar em um
avião. Uma repórter da BBC, no entanto, constatou que a embaixada não
tem estacionamento e por isso a possibilidade de que ele deixe o prédio
sem passar pela porta de entrada -guardada por policiais desde a
quarta-feira- é praticamente nula.
Especialistas apontam ainda que, no caso de as autoridades locais
suspeitarem que o conteúdo de malotes ou veículos diplomáticos possa
colocar a segurança do país em risco, abre-se caminho para que as regras
internacionais sejam colocadas em segundo plano.
3. A polícia britânica invade a embaixada, prende Assange e o envia para a Suécia
Na quarta-feira o Ministério das Relações Exteriores britânico enviou um
comunicado ao governo do Equador dizendo que a Grã-Bretanha estava
"determinada" em cumprir sua obrigação de extraditar Assange à Suécia e
que de acordo com uma lei nacional poderia "revogar a imunidade
diplomática" da embaixada e prender o australiano no interior do prédio.
A lei citada é de 1987, quando a policial britânica Yvonne Fletcher foi
morta com um tiro disparado de dentro da Embaixada da Líbia em Londres.
Extraditado para a Suécia enfrentaria julgamento e poderia cumprir pena
no país, ou, em uma situação temida pelo australiano e cogitada como
altamente provável por analistas, seria entregue aos EUA.
Acredita-se que nos EUA ele poderia ser julgado por tribunais militares e
poderia ser condenado à prisão perpétua e até à pena de morte.
A entrada dos policiais britânicos na embaixada, no entanto, poderia ser
condenada tanto na Grã-Bretanha quanto pela comunidade internacional, e
provavelmente criaria uma série de impasses para o país.
O Parlamento poderia questionar que, na criação da lei, a chancelaria
britânica tinha em mente "situações extremas", como em casos de
terrorismo. No cenário internacional, a medida não só violaria tratados
como a Convenção de Viena mas também abriria um precedente desfavorável
aos próprios britânicos.
Em 1988 a lei serviu de argumento para que a polícia londrina expulsasse
"squatters" (pessoas que invadem e passam a morar em prédios de forma
ilegal) que haviam ocupado a Embaixada do Camboja em Londres.
4. Assange fica por tempo indeterminado no interior da embaixada
Não há regras no direito internacional que limitem o tempo em que uma pessoa pode ser abrigada em uma representação diplomática.
Em maio deste ano, após fugir da prisão domiciliar, o ativista chinês
Chen Guangcheng foi abrigado pela Embaixada dos Estados Unidos em Pequim
durante uma semana antes de receber o salvo-conduto para viajar ao
país.
Em 1989, o presidente do Panamá, Manuel Noriega, ficou na Embaixada do
Vaticano na Cidade do Panamá após os EUA terem invadido o país para
detê-lo. Os americanos instalaram alto-falantes em torno do prédio e o
"bombardearam" com rock até ele desistir e ser preso.
Morgan Tsvangirai, líder da oposição do Zimbábue, abrigou-se na
Embaixada da Holanda em Harare em junho de 2008. Em 2009 saiu como
primeiro-ministro em um acordo de coalizão.
Em 1956, em meio à opressão soviética na Hungria, o cardeal Jozsef
Mindszentry buscou abrigo na Embaixada dos Estados Unidos em Budapeste,
onde ficou por 15 anos.