China: ascensão pacífica e harmoniosa,




“Friend or Foe?” é o título de mais um suplemento especial sobre “o lugar da China no mundo”, desta feita na revista “The Economist”, em 4 de dezembro de 2010. Esta e outras análises recentemente disponíveis, buscam, mais uma vez, saber se a ascensão atual chinesa será pacífica e harmoniosa ou se representará ameaça, de um país disposto a vingar erros do passado, submetendo antigos agressores a sua vontade.



O exercício de reflexão a seguir procura resgatar aspectos da convivência histórica dos chineses, com região vizinha onde tiveram influência político-cultural, hoje conhecida como o Sudeste Asiático.



A China tem reiterado, a partir de 2005, que sua condição atual de potência emergente deve ser entendida como uma nova fase histórica, marcada por “ascensão pacífica” do país, destinada a beneficiar seu entorno imediato e relações com o exterior.



A referência a “ascensão” – mesmo que qualificada como pacífica – reforçou, no entanto, a preocupação de setores de opinião mais previnidos, quanto à noção de que os chineses estariam “almejando a galgar patamares mais elevados”. Os dirigentes de Pequim, então, passaram a divulgar que sua meta é, apenas, um “mundo harmonioso”.



O texto se inicia com menções à criação de vínculos culturais entre a China e o Sudeste Asiático, no século XV. Em seguida, são feitas referências à expansão comercial européia e suas consequências políticas na Ásia. Lembra-se a influência dos ideais revolucionários da RPC, a partir de 1949, ao Sul de suas fronteiras. Analisam-se, de forma resumida, as mudanças de percepção, com a independência do Sudeste Asiático, formação da ASEAN e emergência de novos agrupamentos econômicos e políticos regionais.



A China e o Sudeste Asiático durante a Dinastia Ming



Após seu périplo ao Sul das fronteiras chinesas, no século XV, durante a Dinastia Ming o Almirante Zheng He descreveu a viagem ao Sudeste Asiático, ou “Nanyang”, relatando que as relações de amizade[1] da antiga China Imperial, com aquela parte do mundo, eram caracterizadas pelo tratamento diferenciado concedido a três grupos de “unidades tribais e políticas”, então identificados. Hoje, tais conjuntos correspondem aos países seguintes: o constituído pela Birmânia, Laos e Vietnã; o formado pela Malásia, Cingapura, Indonésia, Filipinas e Brunei; e o do Camboja e Tailândia[2].



Assim, laços de vassalagem foram mantidos com Birmânia, Laos e Vietnã, até o final da Dinastia Qing, marcado pela instalação do sistema republicano, em 1912. A região predominantemente marítima do Sudeste Asiático—atualmente integrada por Indonésia, Malásia, Cingapura, Brunei e Filipinas—logo se separou da área de influência direta chinesa. Tailândia e Camboja ficaram em situação de dependência intermediária.



Desde o início da Dinastia Yin, em 3,000 A.C., a nação chinesa desenvolveu sua própria civilização em isolamento, sem se defrontar com concorrente algum entre as culturas vizinhas. As tribos periféricas foram sempre menos adiantadas e, com freqüência, aceitavam o Imperador chinês como seu próprio suserano[3].



A ausência de rivais levava os chineses a dedicarem desprezo aos povos situados em seu entorno. Mesmo em momentos de fraqueza da China, quando alguns destes chegaram a invadí-la, como no caso dos mongóis (Século XII), os bárbaros acabavam sucumbindo perante a superioridade da cultura chinesa. Não havia, portanto, a noção de igualdade entre Estados.



Os chineses desenvolveram, bem cedo, uma visão sinocêntrica do mundo. Este pensamento, incluía dois componentes principais. O primeiro era a idéia de que o Imperador da China reinava sobre aquele país e as áreas vizinhas, sem que, entre estas, fosse estabelecida qualquer distinção ou limites geográficos—eram consideradas simplesmente uma vasta mancha amorfa.



O segundo aspecto dizia respeito à percepção chinesa de que o mundo—dentro dos limites então alcançáveis—poderia ser governado de forma harmoniosa e pacífica, como uma sociedade ideal, sob o mando de um Imperador virtuoso. Unidade e harmonia eram, assim, os objetivos a serem atingidos, numa visão utópica de como deveriam estabelecer-se as relações internacionais, sempre ditadas a partir de um centro de decisões localizado dentro da China[4].



Traço também característico, resultante dessa noção de superioridade chinesa, era a atitude de desdém com respeito ao comércio internacional, delegado a populações de outras etnias.



O Perfil da Influência Cultural Chinesa



Até o século XIX, a China permaneceu como a força política dominante, bem como o radiante centro de civilização na região, em virtude de seu desenvolvimento cultural e sofisticado sistema de organização política. Por isso, os países do Sudeste Asiático eram mais ou menos atraídos à esfera de influência chinesa, em busca de fonte de inspiração e legitimidade política. O Império chinês reciprocava, atribuindo à Nanyang vínculos especiais.



Tal coincidência de interesses gerou a formação de esquema de vassalagem em que praticamente todos os países da região pagavam tributos à China, em troca de reconhecimento, de proteção militar e assistência, quando de situações de crise. Em diferentes ocasiões, a China chegou mesmo a intervir, tanto política quanto militarmente, fosse a convite de Governos locais para restaurar a ordem, fosse por sua própria iniciativa para manter a estabilidade e a paz em suas fronteiras.



Cabe ressaltar que as relações da China com o Sudeste Asiático foram historicamente cordiais, marcadas pela busca constante do equilíbrio regional. Os chineses, sem nunca renunciarem a sua visão sinocêntrica do mundo, demonstravam determinação no sentido de pacificarem os “bárbaros” situados ao Sul de suas fronteiras, ao mesmo tempo em que procuravam transmitir-lhes suas normas de comportamento confucionista[5] .



A moldura política pretendida pelo Império do Centro, contudo, era de caráter eminentemente cultural, sem o estabelecimento de presença política direta no Sudeste Asiático, sempre que seus vizinhos não representassem ameaça ao equilíbrio da área.



Nesta perspectiva, a influência criada pela China era expressa pela sua incontestável superioridade em termos de organização política e social e produção de normas éticas de procedimento executadas exemplarmente pelos próprios chineses, na convivência entre nações. Não se procurava o domínio econômico ou a conquista territorial dos Estados vizinhos, com o emprego da força. Como resultado, o Sudeste Asiático tinha a percepção constante da existência de uma potência regional a ser levada em conta, mas não permanentemente temida[6].



A razão principal para que a China exercesse papel estabilizador na área, portanto, era devida à adoção pelos países vizinhos de sistema político-social semelhante ao monárquico chinês. Suas economias funcionavam, também, de forma similar e, através de intenso intercâmbio comercial, eram complementares.



Não existe um padrão de coerência e continuidade que permita traçar a evolução histórica da área da Bacia do Pacífico, até o século XX, de acordo com a metodologia normalmente utilizada para o estudo do progresso de civilizações ao redor do Mediterrâneo e Atlântico[7].



Isto é, enquanto a China simplesmente encarava os Estados ao Sul de suas fronteiras como a periferia de seus domínios, naquelas outras partes do mundo desenvolvia-se intenso intercâmbio e trocas de influência, entre formações sociais cujo peso político variou através dos séculos, ora se equivalendo, ora uma superando a outras mas, sempre, interagindo.



O interesse dos chineses pela “bacia” do oceano que banha seu país, por outro lado variou muito em intensidade, no decorrer do tempo. Nunca houve uma visão estratégica ou de conjunto com respeito à “Nanyang”. O nome “Pacífico” só foi cunhado no século XVI, por Fernando Magalhães, após ter navegado por mares bem mais agitados, em seu entender.



Em linhas simplificadas, contudo, é possível verificar que tal formato de relacionamento foi fonte, tanto de moldura de estabilidade regional que perdurou durante séculos, quanto de grande parte das tensões e percepções de ameaças hoje existentes.



O Contato com o Expansionismo Comercial Europeu



Devido a seu isolamento já milenar e, em parte, pelo conhecimento de relatos de viagens épicas, o Império chinês considerava-se o centro do mundo, inclusive pelo fato de que, até a consolidação do expansionismo comercial europeu na Ásia, não se havia defrontado com alguma civilização rival.



A ruptura efetiva causada pelos exploradores do Ocidente, a partir do século XVI, afetou a vida na China em diferentes níveis, sem que se possa analisá-los em toda amplitude, pelas limitações impostas a este artigo.



Os principais pontos de interesse, de qualquer forma, dizem respeito às alterações produzidas no modo, então vigente, das relações da China com seus vizinhos, bem como pela criação de vínculos de dominação ditados pelas potências européias conquistadoras com suas novas colônias.



O impacto sentido na Ásia-Pacífico evoluiu lentamente e com diferentes patamares de intensidade. A chegada inicial dos portugueses, no Sudeste Asiático, e seu gradativo avanço para o Sul da China, perto de Cantão, resultou apenas na substituição da nacionalidade dos navegadores que, a partir de então, viriam a operar o comércio regional, já existente. Isto é, os comerciantes asiáticos que, tradicionalmente operavam naquela área, foram sendo excluídos, pelos europeus.



Mesmo com a aparição dos “conquistadores” espanhóis, e a transformação do Pacífico em “lago” seu, na medida em que foi sendo criado um intercâmbio com as Américas, até o século seguinte, pouco alterou-se o ordenamento em que a China continuava a ser a potência asiática dominante, afetada apenas na periferia por um comércio florescente com outros continentes.



É, a partir do século XVII, que as rivalidades então existentes na Europa começam a ser transferidas para a Ásia, com a vinda dos holandeses. Em guerra contra a Espanha, a Holanda veio introduzir conceitos jurídicos como o da “liberdade dos mares”, que era suposto garantir o livre acesso das potências comerciais da época a entrepostos asiáticos. Na prática, no entanto, tratou-se, também, de norma discriminatória contra os comerciantes nativos, com vistas a mantê-los subordinados a monopólios ditados pelos colonizadores.



Com a entrada dos britânicos na disputa por fatias do mercado da Ásia, durante o século XVII, aumentou sensivelmente a influência européia, trazendo consigo novas formas de hegemonismo. Como se sabe, o período em que “Britannia rules the waves” pode ser iniciado apenas após o término da Guerra dos Sete Anos, que, até 1763, drenava-lhe grande volume de recursos. Encerrado aquele conflito, criou-se a necessidade de a Grã-Bretanha vir a exportar seu excedente de mão-de-obra como colonos para diferentes partes do mundo. Com a posterior vitória sobre Napoleão, Londres veio a afirmar-se como a potência marítima dominante do século XIX.



Em 1824, foi assinado, com a Holanda, acordo que dividia os interesses imperiais das duas metrópoles européias de maior irradiação na Ásia, resultando na concentração dos esforços holandeses na Indonésia. De sua parte, os britânicos, então empenhados na Primeira Revolução Industrial, passaram a demandar insumos coloniais. Para a produção de monoculturas, promoveram o deslocamento de milhares de chineses e indianos à península malásia, criando desequilíbrio étnico até hoje sentido na região, além do estabelecimento de vínculos de dependência de uma economia, a partir de então, voltada para a exportação de matérias primas.



Diante das restrições chinesas à penetração de produtos “made in Britain” em seus mercados, Londres desencadeou a Guerra do Ópio (1839-42), com o conseqüente Tratado de Nanquim, que forçava a China a ceder Hong Kong à Grã-Bretanha e a abrir cinco portos aos estrangeiros.



A arrogância do auge da fase imperialista ocidental, na medida em que introduzia a conquista e a dominação na Ásia, não deixava dúvidas quanto ao fato de que noções, como a de que sistemas internacionais baseados na soberania e igualdade entre os Estados, seriam, na melhor das hipóteses, apenas para aplicação no cenário europeu.



As Conseqüências Diretas nas Relações entre a China e o Sudeste Asiático



A partir do século XIX, a expansão colonial européia e o declínio do Império Chinês começaram, portanto, a traçar moldura de relacionamento bastante distinta da que existira, até então, entre a China e o Sudeste Asiático.



Por um lado, perderam importância os canais de comunicação em nível de Governo, visto que, com a presença dos novos colonizadores, cessaram as relações de vassalagem e o sentido de proteção até então garantido pela China. Por outro, deu-se início a grande fluxo migratório de forma a que, nos cem anos seguintes, milhões de chinese transferiram-se para o Sudeste Asiático, em fuga dos constantes conflitos internos e dificuldades econômicas de seu país[8].



Tais emigrantes passaram a constituir poderosos laços afetivos com a China, além de instituírem sólido intercâmbio comercial e remessa de recursos financeiros a familiares em seu país de origem.



Na medida em que se foi desenvolvendo o movimento de luta pró-republicano na China, os chineses de além-mar passaram a constituir valiosa fonte de apoio político e financeiro a ser cultivada pelo líderes revolucionários. A seguir, tais relações foram igualmente preservadas pelo Governo Republicano, instalado em 1912, em seus esforços para promover a reconstrução interna e estabelecer contatos com o exterior[9].



Cabe mencionar, a propósito, que tendo sido o primeiro país asiático a adotar o regime republicano, a China passou a apoiar os esforços das nações do Sudeste Asiático no sentido de obterem independência das metrópoles européias. Para tanto, os chineses efetuavam propaganda dos ideais nacionalistas e de luta anti-colonial, ao mesmo tempo em que forneciam ajuda material aos incipientes movimentos de libertação[10].



A identidade de interesses perdurou, no início da década de 1940, quando a luta de resistência dos chineses contra o expansionismo japonês coincidiu com iguais esforços então desencadeados no Sudeste Asiático, também vítima da agressão nipônica. Os chineses de ultramar tiveram papel de destaque, tanto como participantes diretos quanto como fornecedores de recursos para a guerra contra o Japão, na China e ao Sul de suas fronteiras[11].



Pouco alterou-se, no entanto, a visão que os dirigentes chineses historicamente tiveram com respeito a seus vizinhos na área de Nanyang. Com o crescente estabelecimento de fortes comunidades de origem chinesa no Sudeste Asiático, Pequim passou a considerar ainda dispor de autoridade política para mobilizar, quando julgasse necessário, aquelas populações em favor de interesses da China. Esta continuava a acreditar-se centro de irradiação a influenciar, agora, aquela região no sentido da luta anti-imperialista, segundo palavras de ordem ditadas da capital chinesa.



Tal avaliação, contudo, deixou de ser correspondida pelas nações do Sudeste Asiático, que já não viam mais a China como modelo a ser imitado, desde o início da ocupação européia, em meados do século XIX. A China falhara como protetora contra aqueles colonizadores, que haviam demonstrado ter maior poder militar e de organização. O exemplo a ser então copiado era o das potências coloniais ocidentais e o soviético.



A interrupção dos contatos governamentais destruiu, igualmente os laços existentes entre Pequim e as autoridades institucionais naquela parte do mundo. Ainda durante o período da Segunda Guerra Mundial, o Governo Nacionalista chinês, apesar da retórica de condenação ao imperialismo colonial europeu, aliara-se aos britânicos e franceses, contra os japoneses. Com o término do conflito, os dirigentes da China concordaram com a retomada das antigas colônias por aquelas metrópoles.



Chega-se, então, à fundação da República Popular da China, em 1949. Começa a mudar a moldura política de estabilidade formada pelo relacionamento daquele país com o Sudeste Asiático. Surge o problema real e concreto criado pela existência de insurgentes, de origem étnica chinesa e filiados a partidos comunistas ditos de inspiração maoísta. A RPC procura exportar sua revolução para os países asiáticos onde minorias sínicas se haviam instalado.



Diferenças de Percepção entre a China e o Sudeste Asiático



No início da década de 1960, a República Popular da China iniciava processo de radicalização interna, com expressivos reflexos em suas relações com o exterior.



Em contrapartida, a região do Sudeste Asiático começava a apresentar perfil próprio. Era a fase da conquista da independência de nações daquela área, sob o formato de Estados modernos. A Nanyang deixara de ser uma vasta mancha cinzenta, da época áurea do hegemonismo do Império chinês. Evoluía, naquele momento, da situação em que se marcava no mapa político regional, com vermelho as colônias britânicas, com verde as francesas e amarelo a holandesa. Começava a entrar na Era da “Guerra Fria” em que os países seriam definidos, no vermelho ou no azul, em função de seu alinhamento com os objetivos estratégicos globais das superpotências.



Com o término da Guerra Fria, na década de 1990, criaram-se novas condições para o ressurgimento de uma antiga moldura político-cultural, que historicamente regularam a convivência entre as nações do Sudeste Asiático com a China. No mesmo período, foi iniciado o consenso de que a Bacia do Pacífico, incluindo suas vertentes asiática e norte-americana, forneceria mecanismos de sustentação políticos, militares e econômicos para que a Ásia pudesse competir com agrupamentos regionais em formação na América do Norte e Europa Ocidental.



Observadores da América do Norte, contudo, apontavam, a partir de então, a China como um fator futuro de instabilidade regional, disposta a preencher um vácuo político, resultante do término da confrontação bipolar vigente no período da Guerra Fria.



O novo milênio iniciou-se com transformações paradigmáticas nas relações entre a China e o Sudeste Asiático. Nesse sentido, as dimensões de segurança, econômica e política foram profundamente afetadas por uma herança cultural comum, de origem chinesa.



Em parte devido à determinação dos Estados Unidos de agir unilateralmente e pelo emprego da força militar, após os atentados de 11.09.2001, a Ásia Oriental passou a valorizar agenda de segurança própria, com ênfase em acordos intra-regionais, principalmente decorrente de entendimentos entre a China e a ASEAN. Assim, em 19 de agosto de 2003, em Wuyishan, província chinesa de Fujian, a RPC agregou sua assinatura ao Tratado de Amizade e Cooperação, que já incluía os dez países do Sudeste Asiático, integrantes daquela Associação.



Ademais a China lançou as fundações para um novo relacionamento com as nações do Sudeste Asiático[12]. Vem sendo fortalecida, assim, a vertente da cooperação no âmbito da Ásia Oriental, na medida em que se concede menor ênfase aos vínculos entre as margens asiática e norte-americana do oceano Pacífico.



A China tomou a iniciativa, por exemplo, da proposta de uma Área de Livre Comércio com a ASEAN. Em seguida, foi assinada uma “Parceria Estratégica” com aquela sub-região, que inclui ampla cooperação, nos setores de segurança e político. A China também firmou um “Tratado de Amizade e Cooperação, a Declaração sobre a Conduta das Partes do Mar do Sul da China”, em 2002, comprometendo-se a agir com cautela quanto às ilhas em disputa.



A RPC anunciou, também, sua disposição de assinar o Protocolo ao “Treaty of the Southeast Asia Nuclear Weapon-Free Zone (SEANFZ)” que as nações do Sudeste Asiático reivindicavam há tempo. Tal decisão colocaria a China favoravelmente na região, em comparação com a determinação dos EUA de não aceitarem igual compromisso de manter o Sudeste Asiático livre do trânsito de armas nucleares.



Um dos principais traços da política externa da China, no momento, é sua maior aceitação do multilateralismo como instrumento para assegurar crescimento e segurança, aderindo, nessa perspectiva a instituições internacionais e regionais. A RPC tem participado ativamente de mecanismos institucionais inovadores na Ásia-Oriental, bem como patrocinado novas alianças na Ásia Central. O “ASEAN Regional Forum”, o “Shanghai Cooperation Organization”[13] e o “Boao Forum”[14] têm atuado como foruns para ressaltar as preocupações chinesas com “Novo Conceito de Segurança”.



Nestas ocasiões, a China tem adotado a prática consagrada pela ASEAN de não identificar “uma terceira parte” como o inimigo. Pelo contrário, procura-se valorizar a idéia de que não se tem em vista um adversário definido. Busca-se, então, resolver problemas comuns de acordo com um “Asian way”, que implica em tomar decisões por consenso, com informalidade e voluntarismo. Da mesma forma, Pequim tem também advogado crescente cooperação política, econômica e tecnológica, para fortalecer as relações entre a China e os países ao Sul de suas fronteiras.


Conclusão



Não há dúvida, no momento, quanto ao “the rise of China”. Questiona-se, a propósito, se, da mesma forma que aconteceu com a ascensão de outras potências, na História recente, irá a emergência da RPC ameaçar sua vizinhança ou causar instabilidade mundial?



Pequim tem reiterado o discurso de que toda esta evolução acontecerá pacificamente e em sintonia com a maior inserção do país na Ásia Oriental, que se beneficiará, como um todo, a exemplo do acontecido, no século XIV, quando o citado Alm. Zheng He difundia a cultura chinesa junto às nações da “Nanyang”.

Existe, contudo, ampla bibliografia atual a contestar a tese de que estaria em curso um “peaceful rise of China”. Para estes setores de opinião, a emergência econômica e política chinesa teria, como resultado intensa disputa por recursos naturais e mercados com outros países. Tendo em conta o crescente poderio militar chinês, seriam inevitáveis conflitos intra e extra regionais..


Com o começo do processo de modernização da RPC, na década de 1970, e o término do período de bipolaridade mundial, na de 1990, criaram-se novas condições para o ressurgimento, no âmbito das relações entre a China e o Sudeste Asiático, de processo de cooperação, que tivesse como base de sustentação um conjunto de valores culturais chineses compartilhados. Novas modalidades regionais de integração foram criadas, em oposição às estruturas de confrontação herdadas da Guerra Fria.

Ademais, este longo período de convivência e laços culturais milenares contribuíram para evitar que a confrontação ideológica da Guerra Fria chegasse a ponto de não reversão, favorecendo também a tendência atual no sentido de criação de uma comunidade da Ásia Oriental. Assim, a moldura de laços políticos ora existentes facilita a identificação de interesses compartilhados pela RPC e entorno imediato, a serem consolidados em pauta de temas internacionais.

Cabe aguardar, portanto, que a ascensão da Ásia Oriental ocorra de forma pacífica, sem o caráter hostil que cercou a emergência recente de outras potências mundiais.


“Rise”, portanto, não deveria, na prática, vir a significar a ascensão de um “novo Império” ou “potência hegemônica”. Tampouco, poderia representar algum tipo de revanchismo ou acerto de contas, decorrente de “queda anterior”.


Paulo Antônio Pereira Pinto é Diplomata. Primeiro Embaixador do Brasil residente em Baku, Azerbaijão. Serviu, anteriorimente, como Cônsul-Geral em Mumbai, entre 2006 e 2009 e, a partir  de 1982, durante vinte anos, na Ásia Oriental, sucessivamente, em Pequim, Kuala Lumpur, Cingapura, Manila e Taipé. Na década de 1970 trabalhou, na África,  nas Embaixadas em Libreville, Gabão, e Maputo, Moçambique e foi Encarregado de Negócios em Pretória, África do Sul.  As opiniões expressas são de sua inteira responsabilidade e não refletem pontos de vista do Ministério das Relações Exteriores .




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