O “spillover social” africano e o seu processo de integração regional



Desde as manifestações ocorridas no início do ano, na região do Magrebe, a África tem estado em evidência, tanto na mídia, como na política. Não é novidade a notícia de que aproximadamente trinta Estados africanos1 vivem uma tênue relação com a liberdade e a democracia. Contudo, por motivos econômicos e políticos, algumas distorções com relação a esses dois valores são toleradas no plano internacional.


Vale fazer uma avaliação sobre os atuais acontecimentos e o processo de integração vigente na África. A efervescência que começou na Tunísia e que vem se espalhando no continente africano está carregada de esperança e acontecimentos que podem ser decisivos e que, transformarão a ordem política e social na região do Magrebe.



As transformações políticas decorrentes das manifestações populares na Tunísia, no Egito e agora com mais intensidade na Líbia, estão provocando mudanças circunstanciais na ordem política interna desses Estados, todavia, esses acontecimentos tendem a derramar por todo o norte da África e até mesmo, no continente asiático, uma nova postura por parte dos governantes.



Esse processo de mudança poderá atingir as iniciativas de integração regional no continente africano, pois, em alguns casos, essas iniciativas têm sucumbido às instabilidades políticas internas e às guerras de fronteira, ficando a democracia reduzida a uma formalidade sem significado real (BASTOS, 2008, p. 298).



Atualmente a África possui cinco iniciativas integrativas (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental; Comunidade econômica dos Países da África Central; Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral; Mercado Comum da África Oriental e Austral e União do Magrebe Árabe). A União Africana, por sua vez, de acordo com o seu ato constitutivo, possui por atribuição dentro do processo de integração regional africano, a promoção e consolidação da unidade do continente; o fomento da união, da solidariedade e da coesão; a busca pela eliminação do flagelo dos conflitos; habilitar a África a fazer face aos desenvolvimentos políticos, econômicos e sociais da ordem internacional; promover as instituições democráticas, a participação popular e a boa governança; dentre outros.2



A União Africana, fruto do novo consenso diplomático regional, representa, atualmente, um ambicioso projeto, talvez o mais decisivo passo na eficaz institucionalização política da África, desde o término do acelerado processo libertário ocorrido naquela região, após a Segunda Guerra Mundial (NADER, 2008, p. 222).



Nesse aspecto, a agitação política e social no continente africano e o seu processo de integração regional parecem caminhar para uma convergência. Tanto o apelo popular dos países anteriormente citados, quanto as iniciativas integrativas, possuem por objetivo criar uma nova onda de sentido de valores e interesses.



Como o processo de integração regional, que, na visão do neofuncionalista Ernest Haas, caminha para um efeito de spillover (uma espécie de um ‘derramamento’ de funções que o processo de integração produz), os acontecimentos sociais e políticos iniciados neste ano na África, naturalmente e de forma positiva estão repercutindo e se espalhando como um efeito de “pedra no lago”.



As manifestações pela democracia e pela liberdade na África têm despertado a sociedade e com isso, intensificando a interação desses valores e interesses por mudanças nas instituições africanas, onde, a sociedade, tem visto que a integração das ações políticas produz mais benefícios do que custos.



O momento que a África vive, é um exemplo prático de um “spillover social”. Onde as vontades de mudanças institucionais, a luta pela liberdade política e a real manifestação democrática estão sendo derramadas pelo continente.



A democracia permite que diferentes setores da sociedade possam participar, possibilitando o aprofundamento do processo integracionista, bem como sua manutenção e aumento de sua influência. Assim, podemos dizer que o processo de integração africana, tende a se transformar com as mudanças em curso na África, bem como podemos dizer, que a liberdade é um dos pontos cruciais para que a democracia de fato possa ser aplicada.



Esse momento caracteriza muito bem o regionalismo multidimensional vivido atualmente. Esse regionalismo lida, com um número maior de políticas do que o antigo modelo, balizado no comércio (LANGENHOVE & COSTEA, 2004, p. 251). A nova postura integrativa é determinada pelas mudanças que a globalização trouxe e um exemplo prático dessa mudança está no uso da internet e de redes sociais como meio eficaz de comunicação e divulgação, principalmente quando utilizada para chamar a atenção da comunidade internacional, como o caso em questão.



A África caminha olhando para frente, não está mais à margem do desenvolvimento. Alguns países africanos têm crescido consideravelmente nos últimos anos3. O fluxo de investimentos externos diretos e a presença de empresas transnacionais no continente têm justificado esse crescimento (SARAIVA, 2008, p. 92).



O que ocorre atualmente é o reflexo da vontade de transformação. A necessidade de desconstruir um ambiente político que oprime as liberdades e que patrocina a separação do indivíduo de seus direito, já não cabe mais. Nesse contexto, segundo Huntington (1991, p. 315), a expansão da democracia é seguida por fatores ligados ao desenvolvimento econômico e pela liderança política. Assim, o crescimento econômico da região e as crescentes manifestações em prol da democratização, fazem emergir um novo momento, uma nova onda na África, que por sua vez, serão construídas a partir de novas referências políticas e sociais que irão, num curto momento, influenciar positivamente seu processo de integração.



Henrique Sartori de Almeida Prado é Professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD

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