Análise: ajuda de Brics à Europa tem difícil aceitação na Ásia

O Brasil terá dificuldade para convencer os outros países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a desembolsar uma ajuda financeira para a Europa, independente de como o plano seja estruturado.

Transmitir o dinheiro por intermédio do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao invés de comprar dívida europeia diretamente oferece uma camada de proteção contra um eventual calote. Mas a Índia, a China e a Rússia já prometeram juntar US$ 70 bilhões para aumentar o poder de financiamento do FMI e podem hesitar em fazer mais.

Uma autoridade brasileira disse à Reuters que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, proporá que o Brics disponibilizem bilhões de dólares em novos empréstimos ao FMI. O grupo de economias emergentes irá se reunir em Washington na quinta-feira, antes da reunião semestral do FMI.

Somando mais de US$ 4 trilhões em reservas juntos, não surpreende que China, Brasil, Índia e Rússia sejam cogitados como possíveis salvadores da Europa se a crise de dívida piorar dramaticamente. Porém, embora eles possam ser capazes financeiramente, sua disposição a conceder a ajuda está em dúvida.

"Seria extraordinariamente difícil para as autoridades, que gerenciam ativos estrangeiros de países ainda relativamente pobres e em desenvolvimento, justificar colocar esses ativos em risco se a Europa não conseguir agir em conjunto", disse Julian Jessop, economista-chefe internacional da Capital Economics, em Londres. Mesmo se o Brasil convencer todos o Brics, a quantia de financiamento representaria apenas uma pequena porção do pior cenário de necessidade de capital imaginado pelo FMI. A fonte sugeriu que o Brasil pode ser capaz de fornecer US$ 10 bilhões para ajudar a Europa.

Membros da equipe do FMI estimaram que a instituição tem cerca de US$ 390 bilhões para emprestar confortavelmente agora, mas é possível que seja necessário até US$ 840 bilhões em empréstimos, segundo noticiou a Reuters em 9 de setembro.

Não é a primeira vez que o Brasil tentou promover uma causa dentro do Brics. Ainda em setembro, o pedido do País para que as grandes economias emergentes comprassem mais dívida europeia recebeu respostas mornas na Ásia. "O Brasil tem a tradição de criar manchetes populares", disse Wei Yao, economista do Société Générale em Hong Kong, acrescentando que a proposta brasileira mais recente pode não ser politicamente praticável na China.

Histórico de atrito

Pequim passou por alguns atritos com o FMI, especialmente porque a instituição classifica o iuan como uma moeda consideravelmente subvalorizada. Também há a questão de poder dentro do FMI. A China conseguiu o primeiro cargo na diretoria do FMI apenas dois meses atrás, apesar de ser a segunda maior economia do mundo.

Todos os países do Brics lutaram com afinco por um poder de voto maior no FMI e por mais voz na tomada de decisão. No ano passado, eles conquistaram ao menos uma parte da importância adicional que buscava. Ironicamente, foi a Europa que fez as maiores objeções a isso e agora se vê precisando de ajuda dos emergentes.

Boa parte da Ásia continua mostrando cautela diante do FMI e seus conselhos, como resultado da crise de dívida dos anos 1990 - quando os empréstimos do FMI vieram atrelados a condições duras que impuseram profundos cortes de gastos governamentais. Essa é a primeira razão pela qual muitos emergentes acumularam reservas vastas, como forma de se proteger e não depender mais do credor internacional.

Uma década mais tarde, muitas dessas economias emergentes se deparou com o FMI procurando-os para obter financiamento adicional. O banco central da China assinou um acordo em 2009 para comprar US$ 50 bilhões em notas do FMI, uma medida que o Fundo considerou "benéfica para todos" à época.

Índia, Rússia e Brasil prometeram comprar até US$ 10 bilhões cada em notas do FMI no ano passado e em 2009. A Índia, em particular, tem a reputação de ser avessa a riscos no gerenciamento dos seus 316 bilhões de dólares em reservas.

Nabs e Gabs

O Brics têm interesse em uma Europa estável também para se garantir, porque uma crise financeira no continente não pouparia ninguém. A China exporta mais para a União Europeia do que para os Estados Unidos. A Ásia consegue bem mais crédito dos bancos europeus que de bancos americanos. Mas mesmo se o Brics elevarem os compromissos com o FMI, é incerto se isso fará muito para resolver os problemas da Europa.

O FMI tem restrições sobre como e quando pode emprestar. Qualquer país-membro pode pedir ajuda financeira, mas os devedores costumam ter de acertar um programa de medidas econômicas. Nem Itália nem Espanha pediram ajuda.

Um lugar que pode comportar financiamentos adicinais são os New Arrangements to Borrow do FMI, uma série de acordos de crédito que dão ao Fundo acesso para cerca de US$ 591 bilhões. Esse instrumento, conhecido pela sigla "NAB", foi ativado por seis meses em meados do primeiro semestre, agora está com revisão marcada para setembro.

Há outro programa menor chamado General Agreements to Borrow, ou "GAB", que permite que o FMI tome emprestado um total de US$ 27 bilhões de 11 nações industrializadas. Nenhum dos países do Brics estána lista.

Enquanto a paciência do investidor diminui em relação à liderança europeia, o FMI deve entrar sob pressão para criar novas ideias que sejam agradáveis politicamente para conter a crise de dívida da zona do euro e impedir que ela englobe Itália ou Espanha.

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