Parte 1:Geografia política da água e seus recursos de poder no início do século XXI .


As transformações que vêm ocorrendo no sistema internacional neste início de século XXI, especialmente a partir da década de 1990, são inegáveis e adquirem, cada vez mais, um ritmo bastante acelerado. Estas projetam um cenário no qual as variáveis clássicas presentes na agenda internacional interagem e colidem com novos temas, provocando inovações das estruturas político-econômicas do sistema internacional, em um ambiente de transição – entendido como um estado em que os esquemas tradicionais já não mais se aplicam e os novos ainda não se consolidaram o suficiente para se imporem.

As dimensões clássicas que formavam a matriz das relações internacionais – econômica, política e militar – deixaram, com a despolarização e a dissociação hegemônica, de hierarquizar-se de maneira simples e absoluta. Isto implica dizer que, em certa medida, a contenção mútua que caracterizou a Guerra Fria, de outro modo, a busca por salvaguardar os interesses nacionais, maximizando vantagens políticas e econômicas, não foi substituída pela supremacia de valores ou princípios. Tal como se tem notado nos relacionamentos complexos entre os principais atores, as dimensões das relações econômicas, políticas e militares dão margem a mecanismos independentes de cooperação e conflito, isto é, pode-se cooperar, rivalizar e confrontar-se, independentemente do que ocorra em cada uma das outras (ALBUQUERQUE, 2006).
Apesar do aprofundamento da interdependência nas relações internacionais nos últimos vinte anos, as proposições sobre a decadência do Estado enquanto protagonista da cena internacional – que estaria perdendo sua posição dominante para atores e forças “não-estatais”, como as corporações multinacionais e as organizações não-governamentais (ONGs) –, mostraram-se falhas, haja vista que os Estados continuaram a ser os responsáveis pela resolução de questões como a paz, a fome e o meio ambiente. Além disso, os indivíduos continuaram se identificando, tanto quanto antes, com os Estados e os consideravam como essenciais para o desempenho de funções de segurança, representação e bem-estar (HALLIDAY, 1999, pp. 28-29).

A agenda internacional modificou-se sensivelmente, tornando-se mais complexa e abarcando uma variedade mais ampla de objetivos. Os assuntos de natureza financeira, econômica, energética, ambiental, alimentar, etc., ganharam força em detrimento da política militar, tão privilegiada pela bipolaridade. Os argumentos sobre uma não existência de uma hierarquização dos temas no cenário internacional (em oposição a dualidade realista entre high politics e low politics), mostram-se verdadeiros.

A partir disso, a concepção deste trabalho fundamenta-se na crença de que a questão ambiental inseriu-se no debate sobre as opções de política internacional a serem adotadas pelos Estados, dada a complexidade de relações que envolve e sua participação nas acomodações políticas, geopolíticas e econômicas. Isto se clarifica, ao observarmos o fato de a política externa do governo Obama entender que a questão hídrica abre precedente para que se lance mão de uma “diplomacia preventiva”, na qual os problemas são “abordados cedo e de modo pró-ativo”. De outro modo, representa uma grande oportunidade diplomática e de desenvolvimento neste início de século, que permite salvar milhões de vidas, alimentar os famintos, dar poder às mulheres, promover interesses de segurança nacional e proteger o meio ambiente. Este último, em face das diversas interações que promove, começa a ser entendido como fonte de poder no cenário internacional.


Com isso, procura-se entender como os estoques de recursos hídricos, por meio da análise de conflitos existentes ou potenciais por água entre os países, podem ser tomados como parte desta nova fonte de poder da sociedade internacional que se configura no início do século XXI, e também, quem são os detentores deste poder percebido.


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