Novas tecnologias para explorar petróleo e gás prometem
revolucionar o mapa geopolítico da energia, segundo especialistas no setor.
Imagine um mundo em que os Estados Unidos não se importam tanto com o que
acontece no Oriente Médio – porque abastecer as frotas de Nova York ou Chicago
não depende de um combustível vindo do Iraque ou da Arábia Saudita. O poder da
influente Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) está esvaziado.
A Europa não precisa do gás russo e a China não está tão preocupada em financiar
regimes africanos para garantir sua fatia da produção local de combustíveis
fósseis.
É mais ou menos esse o cenário de médio prazo pintado por consultorias e
especialistas entusiasmados com novas tecnologias, que permitem a exploração de
reservas de gás e petróleo de difícil acesso ou cujo produto precisa passar por
processos químicos específicos antes de ser utilizado. São os chamados
combustíveis fósseis "não convencionais".
Eles apontam que não só as fontes de petróleo e gás não devem se esgotar em
um futuro próximo – como previam estudos proféticos das últimas décadas –, como
a distribuição geográfica das novas reservas é muito mais democrática, o que
favorece grandes consumidores.
"Até pouco tempo, eram dominantes as previsões de que os países importadores
aumentariam sua dependência do Oriente Médio e não haveria solução para altos
preços do petróleo", diz o geólogo e economista Robin Mills, autor do livro
O Mito da Crise do Petróleo (The Mith of the Oil Crisis) e
consultor em Dubai.
"Com os avanços tecnológicos dos últimos anos, ganham força expectativas de
que, ao menos no médio prazo, os preços dos combustíveis fósseis voltem a cair,
países que eram importadores de recursos energéticos se tornem autossuficientes
ou até exportadores e a OPEC seja mais pressionada a revisar suas práticas",
disse à BBC Brasil.
São muitas as tecnologias que estão ajudando a traçar um novo mapa da energia
no mundo. A começar pelas que permitem a exploração de petróleo em águas
profundas – caso do pré-sal brasileiro. Outro exemplo é o aproveitamento do
petróleo arenoso – encontrado em Alberta, no Canadá – também só é possível
graças ao aprimoramento de processos físicos e químicos que purificam esse
petróleo de baixa qualidade.
A técnica que mais desperta entusiasmo, porém, é de longe a relacionada à
exploração do petróleo e, principalmente, do gás de xisto, obtidos a partir da
rocha de mesmo nome. Segundo o especialista do mercado de petróleo Daniel
Yergin, trata-se da maior invenção da área de energia da década.
Em centros de estudos e consultorias especializadas, o termo "revolução do
gás de xisto" já virou corrente, e a respeitada Agência Internacional de Energia
(AIE) chegou a perguntar em um relatório no ano passado: "Estaríamos entrando na
'era dourada do gás'"?
'Revolução do gás'
A causa do entusiasmo está relacionada aos bons resultados obtidos na
exploração desse recurso nos Estados Unidos. Até 2008, os americanos importavam
cerca de 13% do gás consumido no país do Canadá, segundo um relatório da
consultoria KPMG.
Hoje, com a exploração das reservas de xisto, não só o país se tornou
autossuficiente, como já pensa em exportar. Para completar, o preço do produto
está caindo de forma acentuada, com os custos de extração cobertos pela venda de
outros produtos químicos produzidos no processamento do gás.
"Nesse cenário, não é de se estranhar que hoje uma das grandes corridas
tecnológicas nos Estados Unidos seja para desenvolver e aprimorar meios de
transporte a gás, permitindo a redução do consumo de petróleo convencional", diz
Frank Umbach, especialista em segurança energética do Centre for European
Security Strategies, com sede em Munique.
Reservas de gás de xisto são exploradas na Pensilvânia, na Louisiana e no
Texas e já representam 30% do consumo de gás no país. Já o petróleo de xisto é
produzido em Dakota do Norte e no Texas.
As expectativas criadas por tais mudanças também ajudam a explicar por que a
Argentina expropriou neste mês a petrolífera YPF, controlada pela espanhola
Repsol, que explorava as reservas de petróleo e gás de xisto nos campos de Vaca
Muerta.
"A percepção de que essa nova fonte de combustível fóssil pode mudar
significativamente a posição dos países no mercado de energia cria um senso de
urgência com relação a exploração desses campos", explica Adriano Pires, diretor
do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), em São Paulo. "A Argentina pedia
mais investimentos para avançar nessa corrida, mas o governo continua limitando
o preço cobrado pela energia internamente, o que reduz o interesse das
empresas."
Tecnologias cruciais
Duas tecnologias foram cruciais para viabilizar a exploração do gás de xisto.
A primeira é a técnica de perfuração horizontal, que permite o aproveitamento de
reservas espalhadas por grandes áreas geográficas, mas pouco profundas. A
segunda é a de fraturamento hidráulico, que consiste no bombeamento de uma
mistura de água, areia e produtos químicos para dentro dos poços de
exploração.
O impacto produzido por esse jorro de alta pressão produz pequenas fissuras
nas rochas, liberando o gás que é canalizado para os dutos.
A exploração de petróleo de xisto (na realidade, um óleo semelhante mas não
idêntico ao petróleo convencional) é um pouco diferente. Ás vezes esse
combustível líquido é encontrado entre as rochas, mas em geral ele é produzido
com o aquecimento do xisto.
Para o especialista em petróleo e energia Jed Bailey, da Energy Narrative,
nos EUA, o que faz do xisto um dos motores de uma revolução na geopolítica da
energia é a forma democrática como essas rochas estão distribuídas
geograficamente.
Reservas desse material estão sendo encontradas de norte a sul do globo, em
todos os continentes. Por enquanto, as maiores estão na China, Argentina,
México, África do Sul, Estados Unidos, Canadá e Austrália, mas também há
reservas na Colômbia, França, Polônia e Grã-Bretanha, entre outros países. No
Brasil, a Petrobrás produz petróleo de xisto no Paraná.
Pires chama a atenção para o fato de que Estados Unidos e China, países que
lideram o ranking de consumo de energia no mundo, também concentram algumas das
maiores reservas. "O gás de xisto e todas essas outras fontes não convencionais
alimentam as esperanças de importadores de energia de reduzirem sua dependência
de exportadores problemáticos ou instáveis", explica.
Para Bailey, no caso dos EUA, uma diversificação para além do petróleo
tradicional poderia fazer com que, no longo prazo, houvesse menos justificativa
e apoio político para interferências no Oriente Médio, por exemplo. "No entanto,
isso não quer dizer que a região sairia de vez do radar americano, por causa da
sua influência na formação de preços no mercado global de energia", diz.
Problemas ambientais
"Mesmo que o gás de xisto substitua o carvão e
o petróleo, fontes de energia mais sujas, não deixa de ser uma fonte suja
também, porque sua queima emite poluentes"
Jed Bailey, especialista em petróleo e energia da Energy Narrative
(EUA)
Há algumas ressalvas importantes no que diz respeito a exploração desses
combustíveis fósseis não convencionais. A primeira é a questão dos altos custos,
que fazem com que a utilização de muitas dessas tecnologias só se justifique se
os preços de seus produtos se mantiverem em um patamar relativamente
elevado.
Um segundo porém é que o sucesso da exploração dessas novas fontes de
petróleo e gás desanima a busca de fontes de energia renováveis e usos mais
eficientes de energia. O petróleo não convencional é tão poluente quanto o
convencional.
"E mesmo que o gás de xisto substitua o carvão e o petróleo, fontes de
energia mais sujas, não deixa de ser uma fonte suja também, porque sua queima
emite poluentes", explica Bailey. "Além disso, com o preço do gás caindo, a
energia eólica ou solar hoje parece cada vez menos vantajosa."
No caso da exploração de gás de xisto, outro agravante é que ainda não há
clareza sobre os riscos de contaminação do lençol freático pelos produtos
químicos usados em sua exploração. Também acredita-se que o gás liberado no
processo de extração possa causar pequenas explosões subterrâneas e tremores,
embora a tese ainda não esteja comprovada.
Por causa dessa preocupações, a França foi o primeiro país a proibir as
técnicas de fraturamento hidráulico, em julho de 2011, banindo até pesquisas
nessa área. Na Grã-Bretanha, grupos ambientalistas têm se oposto a exploração de
uma reserva em Lancashire, embora uma comissão no Parlamento tenha avaliado a
técnica como segura. “Existe uma corrida por essas novas tecnologias por
questões de conveniência econômica e interesses geopolíticos, mas isso não quer
dizer que elas sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental”, diz Pires.
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