‘Livro Verde’ resumia pensamento de Muammar al-Qaddafi's durante governo da Líbia


Publicado nos anos 1970, compêndio servia de Constituição ao país. No livro, ex-ditador dizia que sistema de eleições é ‘ditadura sob disfarce’.


Em vários discursos feitos ao povo Líbio, o ex-ditador Muammar Kadhafi, morto nesta quinta-feira (20) por combatentes liderados pelo novo governo da Líbia, lia passagens do "Livro Verde", compêndio de doutrinas publicado nos anos 1970 e que serve de Constituição para o país.
Imagem do 'Livro Verde', de Muamar Kadhafi (Foto: G1)Mais um dos exotismos do presidente daLíbia, o livro resumia sua ideologia e defendia a “democracia islâmica”, apresentada como uma alternativa nacional ao socialismo e ao capitalismo, combinada com aspectos do islamismo.



Kadhafi permaneceu no poder por 42 anos, desde que depôs o rei Idris I, em 1969, em um golpe de estado sem derramamento de sangue, quando tinha 27 anos. Em 1977, ele criou o conceito de “Jamahiriya” ou “Estado das massas”, em que o poder é exercido através de milhares de “comitês populares”.

Representações do livro podem ser vistas em diversos locais pelo país, como num dos primeiros vídeos amadores publicados no Youtube, em que um grupo de manifestantes tombam uma escultura do livro, ou numa enorme monumento no centro da capital Trípoli, em que o compêndio de Kadhafi repousa sobre dois outros volumes: um azul, onde está escrito “A Democracia” e um vermelho, onde se lê “O Marxismo”, ambos cobertos por “teias de aranha” feitas por fios de aço.


A obra pode ser resumida num conjunto de concepções que giram em torno da “Terceira Teoria Universal”, elaborada por Kadhafi. A partir deste conceito, ele critica e propõe alternativas aos regimes políticos, econômicos e sociais; à organização da sociedade, educação e cultura, entre outros temas.

No capítulo em que trata da democracia, por exemplo, Kadhafi classifica como “ditadura sob disfarce” o sistema de eleições livres. “A luta política que conduz à vitória de um candidato, com, por exemplo, 51% do conjunto de eleitores, conduz a um sistema ditatorial, mas sob um disfarce democrático. De fato, 49% dos eleitores passam a ser governados por um sistema que não escolheram e que, pelo contrário, lhes foi imposto. Isso é ditadura.”

Já a imprensa, proibida de cobrir a atual revolta popular no país, é descrita no livro como “expressão da sociedade e não o meio de expressão de uma pessoa física ou moral”. “No caso de um particular, proprietário de um jornal, o jornal é dele e exprime unicamente o ponto de vista dele. Pretender que seja o jornal da opinião pública é falso e sem qualquer fundamento, porque, na realidade, ele não exprime senão o ponto de vista de uma pessoa física. Não é democraticamente admissível que uma pessoa física possua um meio de difusão ou de informação.”

NegrosEntre as inúmeras teorias elaboradas pelo autor, há trechos curiosos, como o capítulo intitulado “Os negros prevalecerão no mundo” em que afirma que o homem negro, submetido à escravidão, “não a esquecerá até ter completado a sua total reabilitação”.

Manifestantes destroem monumento ao livro em Tobruk, na Líbia (Foto: AFP)“Os negros encontram-se atualmente em situação social muito atrasada. Contudo esse atraso favorece-os numericamente uma vez que o seu baixo nível de vida os protege das medidas anticoncepcionais e do planejamento familiar. As suas tradições sociais atrasadas também os levam a não limitar os casamentos, o que favorece o seu crescimento ilimitado, enquanto que as outras raças vão decrescendo de número devido às práticas de controle dos nascimentos, às restrições impostas ao casamento e à permanente ocupação no trabalho (em contrapartida, os pretos vivem ociosamente num clima sempre quente).”
Tese sobre democracia

Já o filho do ditador, Saif al Islam, que já fez algumas aparições na TV estatal para defender o regime do pai, é autor da tese de doutorado em filosofia na London School of Economics (universidade britânica de economia e ciência política) sob o título "O papel da sociedade civil na democratização de instituições de governança global: do 'soft power' às decisões coletivas?", apresentada em 2007.
O estudo defende incluir votos da sociedade civil em decisões inter-governamentais de órgãos como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio). "Esta dissertação analisa o problema de como criar instituições globais mais justas e democráticas, explorando a abordagem de um sistema mais formal de decisões coletivas pelos três principais membros da sociedade global: governos, sociedade civil e o setor econômico", escreve Saif al Islam no resumo.

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