Faces da sinodependência




Marcos Troyjo


Professor do IBMEC e pesquisador da Universidade Paris V-Sorbonne

Quem menos sofre com a grave turbulência que sacode os mercados financeiros é a China. Detentora de caudalosas correntes de comércio, nas quais é quase sempre pólo superavitário, repousa sobre maciças reservas internacionais. É a principal credora do Governo dos EUA, sob a forma dos títulos do Tesouro Americano que tem apetitosamente comprado ao longo dos anos.

Mesmo com toda a crítica vocalizada por Pequim nos últimos dias – centrada nos “insustentáveis padrões” de endividamento americano – ou ainda a sugestão (para inglês ver) da necessidade de uma nova moeda internacional de referência, a China, mais do que qualquer nação, está vertebrada para encarar oscilações na economia global.

Há uma reorientação do “Greenwich geoeconômico”. Novas – e cada vez mais intensas – filiações à economia chinesa como bússola bem merecem o nome de “sinodependência”.

A revista The Economist chegou a criar um índice de sinodependência, cujo objetivo é mensurar a performance das ações de companhias dos EUA que mais mantêm fluxos de negócios com a China. No entanto, o conceito de sinodependência é útil em dimensões mais amplas.

A sinodependência americana foi laboratorialmente planejada na Casa Branca de Richard Nixon. Objetivo: criar, mediante concessões de acesso ao mercado dos EUA, uma cisão no comunismo como força geopolítica. A meta foi alcançada. As relações entre China e EUA ajudaram a ostracizar economicamente a União Soviética.

O corolário para a China nestes últimos 35 anos é o resgate de 800 milhões de pobres e miseráveis para a esfera do emprego e consumo e a consolidação de uma classe média de 300 milhões de pessoas. Evitaram-se problemas mais graves, como uma possível secessão, caso a ausência de liberdade e outras insatisfações políticas não fossem compensadas por robusto e prolongado crescimento econômico.

Os EUA também lucraram com a crescente sinodependência. Seu antagonista geopolítico (URSS) desapareceu. Empresas americanas passaram a utilizar a China para “desovar” funções empregatícias menos qualificadas e remuneradas. Assim, ainda que em território chinês, mantiveram na conta de seu Produto Nacional Bruto parte importante da manufatura de baixo valor agregado.

A partir dos anos 80, os EUA conseguiram com a China o que o Japão já vinha fazendo com outros Tigres Asiáticos: promover diáspora corporativa em busca de melhores custos de produção. Os EUA puderam então concentrar-se em revoluções tecnológicas que floresceram nos anos 90, como a das tecnologias da informação.

Sinodependência é um conceito que abraça cada vez mais a economia brasileira. A China é nosso maior parceiro comercial – e principal destino de nossas exportações. Além disso, é como se as vantagens comparativas nos minerais e outras commodities fizessem o Brasil “renunciar” à competitividade externa de sua indústria, amparada pelo mercado interno e por escudos governamentais essencialmente defensivos, como os empunhados no “Plano Brasil Maior”.

Se não construirmos elenco próprio de objetivos estratégicos na relação com a China, o prolongamento dos atuais padrões de sinodependência tem tudo para mostrar-se aposta de curto prazo e elevado risco para o Brasil.



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