Uma Visão Humanitária sobre o Fluxo Migratório dos Países Árabes em Conflito à luz do Direito Internacional, por José Carlos Carvalho Filho

Introdução




O mundo tem acompanhado, desde Janeiro de 2011, a intensa movimentação nos países do norte e nordeste africano como também em nações do Oriente Médio pela conquista da liberdade democrática. Entre os países estão Tunísia, Egito, Líbia, Marrocos, Argélia, Bahrein, Iêmen, Jordânia, Iraque, Irã, Kuwait, Líbano, Arábia Saudita, Síria e Mauritânia os quais há anos são comandados a mão-de-ferro por governos totalitários, autocráticos e laicos.



Não há como contestar que tais países foram inundados por um tsunami revolucionário que despertou a ambição de suas populações, principalmente jovens, na luta pelo exercício do direito de sufrágio, busca por novas e melhores condições de vida, prosperidade e justiça social.



Entretanto, como o próprio trocadilho nos permite refletir, este tsunami provocou outra reação ainda mais preocupante e que merece toda a atenção da comunidade internacional e dos chefes de Estados, principalmente, dos países vizinhos aos conflitos: o fluxo migratório.



A Revolução Popular nos Países Árabes



Em 17 de Dezembro de 2010, na cidade de Tunis – capital da Tunísia – o jovem Mohamed Bouazizi, ignorado pelo governo local em suas queixas, imolou-se em praça pública provocando o estopim para um conflito sem precedentes. A falta de oportunidades, corrupção e maus tratos contra a população fez com que, jovens tunisianos, cansados de se esconderem, exaltassem seus sentimentos em protestos frente aos abusos e desrespeitos aos direitos humanos, por anos ignorados pelos representantes de países desenvolvidos. Logo após a queda do presidente da Tunísia – Zine El Abidine Ben Ali – a população dos demais países árabes, confiantes quanto às conquistas, saíram às ruas, praças e em monumentos reclamando, também, pelos mesmos direitos.



A revolta popular que acometeu a Tunísia, denominada Revolução do Jasmim, ecoou a todos os vizinhos árabes acentuando o desentendimento entre as populações e seus representantes de Estados no tocante a mudanças estruturalmente políticas, sociais e econômicas. Este desarranjo consagrar-se-á na história como uma manifestação que inaugurou um novo momento para os países islâmicos tanto na organização política quanto na situação humanitária de seus habitantes.



Dentre os casos mais marcantes está à revolta que assola a Líbia. Enquanto rebeldes e defensores do governo de Muammar Kadafi disputam o poder, um grande número de pessoas é obrigado a retirar-se das áreas conflituosas diariamente. Em sua maioria, povos de regiões subsaarianas (sua maioria proveniente de Gana e Nigéria), egípcios, chineses e bengalis, cruzam as fronteiras para se abrigarem em outras nações ou mesmo nos limites entre os países a fim de protegerem suas vidas e de suas famílias contra ameaças do governo e/ou ataques de grupos insurgentes.



A conjuntura demonstra que o conflito na Líbia e nos diversos países árabes têm gerado perdas e a necessidade de intervenções profundas por parte das Nações Unidas e outros Organismos Internacionais com o intuito de amenizar estragos humanitários nesta guerra civil não declarada. De um movimento marcado pela civilidade nos protestos, o mundo acompanha, agora, perplexo imagens chocantes de maus tratos.



Refugiados ou Migrantes Econômicos?



No âmbito dos estudos de normas e institutos internacionais, a terminologia migrante recebe diferentes conceituações, ao ponto que se faz relevante distingui-las para que sejam cobradas condutas adequadas por parte dos Organismos Internacionais, Agências especializadas e Estados asilos.



A figura do migrante é classificada como voluntário ou forçado. Ao tecer sobre o assunto, Jubilut e Apolinário (2010, p.281), apontam que,



as (migrações) voluntárias abrangem todos os casos em que a decisão de migrar é tomada livremente pelo indivíduo, por razões de conveniência pessoal e sem a intervenção de um fator externo. Aplicam-se, portanto, a pessoas, e membros de sua família, que se mudam para outro país em busca de melhores condições sociais e materiais de vida para si e seus familiares. Essas pessoas podem ter um status de migração regular ou irregular, em função de sua entrada e permanência no país de residência, tenham ou não sido observados os requisitos legais previstos no país.



Já as migrações forçadas ocorrem quando o elemento volitivo do deslocamento é inexistente ou minimizado e abrangem uma vasta gama de situações.



Assim sendo, o migrante forçado ou refugiado, terá sua definição consagrada em importantes Tratados Internacionais, tais como, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, o Protocolo de Relativo ao Estatuto dos Refugiados 1967, Convenção da antiga Unidade Africana de 1969, Declaração de Cartagena 1984 e leis internas de países asilos, i.e Brasil (Lei 9.474/97); todos com arcabouço jurídico na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Cada ordenamento amplia o conceito e condição de refúgio de acordo com a realidade ao qual está sujeito.



Para tanto, os refugiados, em entendimento Lato Senso, são as pessoas que tiveram ou que devam deixar seus países de origem em razão de fundado temor de perseguição, em função de sua raça, religião, nacionalidade, opinião política, pertencimento a um grupo social ou sofram graves ameaças contra seus direitos humanos.



O portal do ACNUR (Organização das Nações Unidas para Refugiados – UNHCR em inglês) (2011a) reconhece que,



eles (os refugiados) não possuem proteção de seu próprio Estado e de fato muitas vezes é seu próprio governo que ameaça persegui-los. Se outros países não os aceitarem em seus territórios, e não os auxiliarem, uma vez acolhidos, poderão estar condenando estas pessoas à morte ou a uma vida insuportável nas sombras, sem sustento e sem direitos.



Ao mesmo entendimento, encontra-se a figura dos migrantes econômicos. Estes que, diferentemente dos refugiados, recorrem a outros países em busca de melhores condições de vida cabendo-lhes o reconhecimento de simples migrantes (POOLE: 2007, p. 324). Cristina J. Gortázar Rotaeche (1997, p.163) sustenta que o refúgio econômico provocou o aparecimento do que se chama “abuso de asilo” despertando, nos países receptores, revolta e morosidade na análise dos pedidos autênticos de asilo. Estas pessoas invocam direitos de refugiados, sem mesmo terem conhecimento da matéria, utilizando de falsos motivos para que sejam tratados pela via do direito de asilo.



O enquadramento dos migrantes faz-se imprescindível de modo que possam contar com a proteção e formas de tratamento adequadas por parte de seus países de origem e abrigo e, aqueles que não puderem recorrer aos institutos de proteção, tenham seus direitos resguardados no retorno. Desta feita, verifica-se a necessidade em se criar formas de aprimoramento para a proteção internacional de todos sem que prejudiquem a efetividade das regras existentes.



Tal pensamento acentua-se face às ocorrências que assombram os países fronteiriços das regiões em conflito, principalmente os Europeus – Itália e suas ilhas – por usufruírem condições econômicas “melhores” do que os Estados africanos.



Situação do Fluxo Migratório.



O presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Jakob Kellenbergera, em um pronunciamento em Genebra (VEJA: 2011a), manifestou preocupação ao informar que a organização está preparada para o pior na Líbia e a ONU, juntamente ao ACNUR, calcula que mais de 320 mil pessoas já deixaram a Líbia, sendo 165 mil pessoas fugidas para a Tunísia, quase 140 mil para o Egito, mais de 9 mil para a Argélia e cerca de 6 mil à miserável Níger (ACNUR: 2011b) números estes que só tendem a aumentar com a continuidade dos ataques contra civís.



A Itália e países do Mediterrâneo elencam o rol de destino dos refugiados, estes que adentram o continente europeu por suas ilhas, entre elas Lampedusa. Para o ministro de Relações Exteriores italiano, Franco Frattini, teme-se que uma eventual queda do regime líbio cause uma onda migratória de até 300 mil pessoas para Europa (IG São Paulo: 2011).



A existência de um intenso fluxo migratório, gerado pelo temor de guerra civil na Líbia e outras regiões conflituosas, é internacionalmente reconhecido, neste contexto a hipótese do mesmo servir de oportunidade para que os migrantes (econômicos ou ilegais) consigam chegar à Europa, definitivamente, é um dos detalhes a ser observado.



Assim sendo, a questão que se aponta hodiernamente é se de fato os grupos recorrem às nações européias apenas como refúgio ou aproveitam da situação para enfim atingirem seus objetivos de fixar residência e lutar por melhores condições financeiras?



A Tunísia, por mais que possua sua situação regularizada, ainda sente os efeitos do conflito recebendo e enviando seus povos. Em um último dado sobre a situação, mais de 15.000 migrantes tunisianos desembarcaram em Lampedusa, desde meados de Janeiro, e dois terços deste número foram transferidos para outras regiões da Itália (UNHRC: 2011).



Em nota recente divulgada pela UNICRIO.org (2011), a porta voz do ACNUR, Melissa Fleming, afirmou que:



a saída de pessoas da Tunísia não está relacionada com a situação em curso na Líbia. Através do contato que a equipe do ACNUR na Itália tem tido com os tunisianos recém-chegados, acredita-se que a maioria deles está em busca de emprego e melhores oportunidades econômicas, e não em busca de proteção internacional.



França, Alemanha, Itália, Grécia e suas respectivas ilhas são os que mais temem a situação atual dos refugiados, pois antes da revolta, os migrantes ilegais – grupo que se enquadra na espécie de migrações voluntárias – utilizavam seus vizinhos africanos como rota para alcançar o continente europeu e os países citados, tendo a Líbia o principal meio de acesso[1].



Rosita Milesi destaca em seu livro que, a própria Itália, país com histórico de emigração, já decidiu, no ano de 2002, deportar todos os imigrantes ilegais, sem antes notificá-los, e ao mesmo tempo cortar ajudas financeiras aos países que não controlassem o fluxo migratório para o país (MILESI: 2003, p.204). Agora que as relações entre as nações encontram-se em completa vulnerabilidade, a União Européia trabalha meios de amenizar conseqüências que possam surgir caso os laços diplomáticos entre os países sejam rompidos (PORTAL IG: 2011) e a Itália é um dos mais interessados.



Há tempos o acolhimento de povos de outras etnias sempre foi uma questão delicada, principalmente para os europeus, famosos receptores de refugiados, mas também célebres por suas políticas xenófobas. Neste viés, são os africanos, estatisticamente, os de maior número ao arriscarem suas vidas a fim de fugirem da miséria, secas, conflitos tribais e civis em suas terras de origem (VEJA: 2011a).



A situação financeira dos europeus já não é a mesma devido à crise econômica que assombra o continente. Os altos índices de desempregos e os riscos de moratórias fizeram com que estes países aumentassem o controle contra os migrantes ilegais intensificando o desinteresse em abrigá-los. Tão logo, por mais que haja maior segurança e apoio de Organismos Internacionais, leiam-se ONU e ACNUR, o modo como os europeus encaram a entrada destas populações torna-se mais uma preocupação nas agendas internacionais.



A União Européia, desde 2009, fomenta iniciativas que visem uma maior cooperação entre os Estados ao receber pessoas advindas de países em crise. Os próprios ministros do interior da União Européia propuseram um programa comum de acolhimento em que, para cada pessoa aceita, o país receberia 4 mil euros do Fundo Europeu de Refugiados (DW-WORLD.de: 2011). Entretanto, tal plano por mais que acordado por todos ainda sim sofreu severas críticas por um grupo de Estados que temem serem forçados a receber refugiados e, em caso de recusa, devam justificar o porquê, fato este que desencadearia indisposições diplomáticas.



Sendo assim, constata-se que a discussão deve ser tanto quanto polida em matéria de relações internacionais e direito humanitário, pois ainda que países não estejam obrigados a receberem os refugiados, os mesmos realizam-no de modo a manterem suas imagens de países solidários à ótica mundial. Todavia, não há qualquer política interna que garanta o mesmo tratamento por parte dos nativos dos Estados asilos suscitando o agravamento da relação xenófoba.



Conclusão



Neste passo, analisa-se que os pontos importantes no controle de entrada, manutenção e retorno dos migrantes originários de países em conflito do norte, nordeste e península arábica tornar-se-ão pautas reais nos diálogos internacionais. A própria ONU, principal órgão envolvido na questão, já atenta a temática cautelosamente.



Como proposta, sugere-se a criação de uma comissão especial para lidar com a posição dos migrantes de países árabes em conflito. A triagem dos povos deve ser revista, pois agora não se trata apenas de refugiados em seu sentido stricto sensu, mas de uma massa populacional que pode ou não aproveitar de lacunas do direito internacional para adentrarem nações européias em busca de melhores oportunidades sejam estas econômicas ou sociais.



Por outro lado, faz-se imprescindível que as populações nativas, dos países asilos, conscientizem quanto ao papel a ser desempenhado para o sucesso desta missão de segurança e repatriamento dos migrantes. Ainda que haja a possibilidade dos mesmos usufruírem dos benefícios dos verdadeiros refugiados, conforme os ensinamentos do ACNUR (2011c), “a integração local é um processo complexo e gradual que compreende dimensões jurídicas, econômicas, sociais e culturais distintas, mas relacionadas entre si, e que impõe demandas consideráveis tanto do indivíduo quanto da sociedade que o recebe.”



Não obstante, ao contar com a colaboração dos demais países Europeus, distantes do conflito, mas solidários aos seus Estados irmãos, o processo promoverá conseqüências benéficas e duradouras a todos, além de servir como experiência para novos fluxos migratórios com definição legal limitada, mas iminente e imediato, como a situação dos refugiados ambientais, à luz do Direito Internacional.



José Carlos Carvalho Filho é advogado e pesquisar de temática internacionais, filiado à Universidade Católica de Santos

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