REDES INTERNACIONAIS DE PAISES (ECONOMIA)

O papel dos Brics na economia mundial

Paulo Roberto de Almeida ∗
In: Cebri-Icone-Embaixada Britânica Brasília:
Comércio e Negociações Internacionais para Jornalistas
(Rio de Janeiro, 2009, p. 57-65).

O que foram e o que são os Brics?

No plano demográfico, se trata dos dois países mais populosos do planeta e de dois outros de populações consideráveis. A China representa, sozinha, mais de um quinto da população mundial, seguida de perto pela Índia (17,5%) e, bem mais longe, pelo Brasil (2,9%) e pela Rússia (2,2%). Mesmo dispondo de grandes territórios – dos 17 milhões de km2 da Rússia, aos 3,2 da Índia, passando pelos 9,3 da China e pelos 8,5 do Brasil –, os Bric diferem entre si, no que se refere a recursos naturais, graus de industrialização e capacidade de impacto na economia mundial. É importante registrar essas diferenças, pois que a força de um conceito unificador pode fazer com que similitudes indevidas sejam traçadas quanto ao papel dos quatro países na economia mundial, daí redundando conclusões arriscadas quanto à sua presença na evolução futura dessa economia. Talvez se devesse, para corresponder ao peso efetivo de cada um, inverter a ordem normalmente admitida por essa sigla atraente: Cirb.

Comecemos, pois, pela China. Trata-se da mais antiga civilização contínua da história, não exatamente pela linearidade política, mas sim pela continuidade cultural. Sua história contemporânea é, no entanto, trágica, feita de decadência econômica, instabilidade política, humilhação militar e retrocessos sociais expressos em uma degradação profunda do tecido social, quando as loucuras econômicas de Mao Tsé-tung levaram o país a uma hecatombe humana, criando uma “lacuna” demográfica de dezenas de milhões de pessoas.

A Índia é a segunda civilização “contínua” mais antiga do mundo, valendo as aspas pela diversidade de culturas e etnias. Não há propriamente unidade cultural e sua história “política” só parece fazer sentido com base na “unidade” temporária introduzida por invasões estrangeiras, em especial o Império mongol, seguido pela dominação de uma companhia de comércio inglesa, depois convertida em supremacia britânica sobre povos muito distintos entre si. A Índia moderna é uma “invenção” do Império britânico.

A Rússia também é antiga, dotada de tradições culturais que a identificam como unidade cultural desde a Idade Média, quando deslocamentos de bárbaros deram origem a uma nação eslava em processo de homogeneização, a caminho de uma formação nacional, que passou a existir quando Pedro, o Grande, submeteu as autoridades feudais e consolidou seu poder sobre um território indefinido, sob a forma de um Estado incipiente, baseado no conceito de absolutismo imperial. Esse Estado se estendeu ao longo dos séculos XVIII a XX, até atingir o máximo de sua extensão e poderio já sob o domínio dos “czares” soviéticos. O “império soviético” representou um paradoxo na trajetória da “grande” Rússia, posto que lhe deu a segurança nacional a que sempre aspirou aquele Estado, ao mesmo tempo em que criou um sistema econômico irracional, o que determinou sua crise estrutural e derrocada estrondosa.

O Brasil, finalmente, é uma típica criação colonial, com a lenta constituição de uma economia bem sucedida, no quadro de uma construção estatal mais precoce. O Brasil teve um Estado unificado antes de ter uma economia integrada. O Estado foi o elemento indutor da construção de uma economia industrial, bastante moderna para os padrões dos países “periféricos”. Trata-se de um país “contente” com sua geografia e tranqüilo quanto ao relacionamento regional. Esse contexto de “paz regional” – pelo menos desde o final da Guerra do Paraguai – e de ausência de reais ameaças externas definem o Brasil em sua singularidade geopolítica e deve ser considerado com um “ativo” positivo no seu processo de inserção regional e internacional.

A trajetória dos Bric nos últimos dois séculos foi desigual, para não dizer divergente. Suas relações recíprocas ao longo do último meio século foram, aliás, marginais, com exceção, talvez, da URSS e da China, na fase da construção do socialismo neste último país.A interação dos Bric com a economia mundial seguiu uma trajetória errática, com alguma convergência nas últimas duas décadas, processo complementado por maior interação recíproca.

Os Bric, tomados individualmente, retrocederam em sua participação nos fluxos mundiais de capitais, comércio, investimentos e tecnologia nos dois séculos que levam da primeira revolução industrial à oitava década do século XX, retomando, a partir daí, uma interação mais intensa com a economia global. Esse retrocesso ocorreu por decisões próprias – revoluções socialistas na Rússia e na China, adoção do planejamento estatal na Índia –, ou de forma involuntária, em virtude de crises, seguidas de introversão estatizante, como no caso brasileiro (a crise de 1929 e a depressão dos anos 1930 como fatores de estímulo à industrialização nacional).
No período de construção de uma nova ordem econômica internacional, no segundo pós-guerra, tanto a URSS como a China, se auto-excluíram das instituições típicas do sistema mundial capitalista – FMI, BIRD, GATT – enquanto o Brasil e a Índia aderiam de modo relutante, e marginal, a essas entidades “capitalistas”. O Brasil foi ativo nesses órgãos da interdependência capitalista, mais como “cliente” do que como responsável por processos decisórios que, até há pouco, passaram ao largo de sua capacidade de atuação. Mais do que qualquer outro Bric, ele preservou estruturas de mercado e um estilo capitalista de gestão econômica em sintonia com o padrão formal de organização econômica do capitalismo. O outro Bric capitalista do período da Guerra Fria, a Índia, foi muito mais estatizante, burocratizado e atrasado do que o Brasil e seu recente impulso modernizador se deveu bem mais à diáspora econômica nos EUA do que a transformações internas à própria Índia.

A China foi um desastre econômico, não só pela sua decadência na época da guerra civil e da invasão japonesa, mas também pelos planos da era maoísta (Grande Salto Para a Frente e Revolução Cultural). Basta dizer que, possuindo um produto nacional bruto equivalente, grosso modo, a quase um terço do PIB mundial até o final do século XVIII, ela regrediu a menos de 5% do PIB global nos anos 1960, recuperando parte do que tinha perdido só nos 2000. Quanto à Rússia, ademais de diminuída depois da implosão da URSS, suas estatísticas da era socialista são pouco confiáveis para o estabelecimento de uma série relevante de seu desempenho ao longo do século XX, quando ela sofreu imensos desastres materiais e humanos. A CIA superestimou a produção industrial e a capacidade tecnológica dessa enorme “aldeia Potemkim”, que viveu uma mentira institucionalizada ao longo de sete décadas.

A “reincorporação” dos Bric ao mainstream da economia mundial, a partir da oitava década do século XX, foi diferenciada. O Brasil, a rigor, nunca dele se afastou, mas exibia, até meados dos anos 1980, quase 95% de nacionalização na oferta interna, por força de um protecionismo renitente. A Índia levou mais longe o capitalismo de Estado, o que, junto com um planejamento extensivo, foi responsável por décadas de crescimento reduzido e de baixa modernização. Foi a China, na verdade, quem deu a partida para a “grande transformação” na divisão mundial do trabalho, ao iniciar, com as reformas da era Deng Xiao-Ping, uma rápida reconfiguração na geografia mundial dos investimentos diretos. A Rússia operou uma reconversão a um capitalismo mafioso nos anos 1990, passando a contar mais como fornecedor de matérias-primas energéticas do que como participante ativo da economia mundial. O Brasil passou a ser um grande provedor de commodities alimentícias e minerais, a Índia consolidou sua presença nas tecnologias de informação, ao passo que a China industrial assumiu a liderança nos produtos de consumo de massa, com dominância dos bens eletrônicos. Todos se beneficiaram de vantagens ricardianas, com ênfase em mão-de-obra no caso chinês, tecnologia no modelo indiano e recursos naturais para o Brasil e a Rússia.

E para onde caminham os Bric, nas próximas décadas? Certamente não em direção ao mesmo destino, ainda que o traço comum de suas trajetórias seja uma crescente adesão,

incontornável, à economia mundial. O estudo da Goldman Sachs aposta que esse G4 ultrapassará, conjuntamente, o PIB do atual G7 em 2035, sendo que a China ultrapassará a todos, individualmente, até 2040. Os componentes dessa ultrapassagem são muito diversos, com uma provável “explosão” tecnológica da China, uma continuidade “extrativa” no caso da Rússia, uma enorme competitividade agrícola para o Brasil e de serviços de internet e de tecnologia da informação para a Índia, o que já ocorre atualmente. Ainda que a “massa atômica” conjunta dos Bric possa superar o peso do atual G7, eles permanecerão, em termos per capita, abaixo dos indicadores atuais de bem estar e de produtividade dos países avançados.



∗ Paulo Roberto de Almeida é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, mestre em

Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia e diplomata de carreira desde 1977.

Publicou diversos livros de relações internacionais e de história diplomática do Brasil

(http://www.pralmeida.org/; pralmeida@mac.com

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