A cultura no contexto da internacionalização de Salvador

Coordenação da Palestra : Glauber Machado e Daneila Santa Rosa - CENTRO UNIVERSITÁRIO JORGE AMADO

por Monique Badaró*


 
A internacionalização das cidades e unidades sub-nacionais se impõe como uma prioridade de política pública nos dias de hoje. Estes entes federativos se tornaram atores das relações internacionais, com forte desejo de se exportar, de se identificar para além de suas fronteiras. Não é à toa, que houve uma profusão, por exemplo, de escritórios de representação de cidades e/ou unidades sub-nacionais em países estrangeiros. Aumentaram também as visitas oficiais, as missões empresariais e, graças a estes fatores, a cooperação descentralizada é uma tendência irreversível.

Muitas desses entes sub-nacionais se tornaram globais por força de suas especificidades, ou seja, não tiveram que construir esse processo (embora tenham que se manter na posição). Na medida em que o capital se deslocou do setor industrial para o setor financeiro, as chamadas global cities, que já contavam com uma praça financeira importante e uma gama variada de serviços de qualidade ganharam importância na economia mundo.

Mas será que todas as cidades têm vocação para se internacionalizarem? Todas elas têm necessariamente que adotar essa estratégia de desenvolvimento? E em caso positivo, que estratégias seriam essa? Como podem as cidades se inserirem na cena internacional e participar de fluxos mais amplos de troca, de intercâmbio, de comércio?


 
Não temos respostas, mas sabemos que não existe um modelo único. Existe, sim, uma variedade de formas e de processos que incluem estratégias de inserção internacional, fortalecendo identidades e relações interculturais.

A necessidade reestruturação da economia urbana deu um novo papel a essas cidades, tanto no que diz respeito à reconversão econômica, quanto à autonomia política. Nesse sentido, muitas cidades têm tentado atrair capitais e serviços e melhorar sua infra-estrutura para serem inseridas em algum tipo de circuito especializado global ligado não só ao segmento da economia criativa, como o circuito das artes, da gastronomia, da música, do turismo cultural, como também ao de tecnologia de ponta, como o das novas tecnologias, de pesquisa e desenvolvimento, com a implantação de parques tecnológicos, etc.
Do ponto de vista da cultura, temos exemplos emblemáticos de cidades ou regiões que passaram a ser conhecidas mundo afora e acumular lucros a partir da atração de produções audiovisuais estrangeiras. Ao serem captadas pela lente cinematográfica, se disseminam como destino turístico, atraindo turistas interessados em elementos vistos nos filmes. Temos ainda aquelas que se descortinam para o mundo, sediando eventos internacionais, como é o caso do Festival de Cannes que em 10 dias, além de divulgar o nome da cidade como destino turístico, gera uma economia de 800 milhões de euros.

Muitas cidades têm se esforçado em valorizar a sua imagem apoiando projetos internacionais capazes de produzir valor econômico e atrair novos investimentos. Elas chegam a reinventar identidades no contexto internacional, a exemplo de Bilbao, na Espanha, que, sem uma tradição de patrimônio histórico cultural, se reinventou a partir de um projeto cultural arrojado que foi a construção do Museu Guggenheim por um arquiteto de renome internacional: Frank Gehry.



Outra estratégia, normalmente utilizada pelas cidades ditas criativas, tem sido a requalificação de espaços antes ocupados pelos setores industriais. Assim, bairros degradados são totalmente renovados, muitos através de concurso de arquitetos e designers famosos e, sobretudo, atraindo a classe artística para ocupá-los. A busca de um diferencial competitivo em relação às concorrentes reforça a noção de inovação urbana e de criatividade. Na verdade, oferecer alta qualidade de vida é essencial para as que apostam no conceito de cidade criativa.

No sentido da internacionalização, várias perspectivas e desafios são apresentados para Salvador. É preciso criar um sistema de alianças internas, reunindo diferentes estruturas e atores na construção de um projeto concertado de internacionalização, já que em geral, existe baixa participação do setor privado em projetos como este.

Inclui-se ainda uma mudança de mentalidade, expressa por uma maior abertura para outras culturas, normas diferenciadas de comportamento e por um código de sociabilidade baseado no respeito à diferença e na tolerância. A classe criativa de trabalhadores busca um local para viver que seja diverso e tolerante com as diferenças étnicas, culturais e orientação sexual. Um local que respeite a individualidade e que assuma a responsabilidade coletiva sobre o bem estar de toda a comunidade.

Um outro desafio para Salvador é fazer com que todo o conjunto de sua população se aproprie dos ganhos resultantes da internacionalização e que não haja uma instrumentalização da cultura, manipulando identidades; ao invés disso, a regra deve ser respeitar e promover a diversidade cultural.

A última década viu a cultura ascender a uma posição de destaque no cenário internacional, e não apenas sob o aspecto da economia da cultura. Além da Rodada do Uruguai do GATT - Acordo Geral de Comércio e Tarifas, ocorrida em 1994, que incluiu a cláusula da exceção cultural nas regras de comércio internacional, a Cúpula de Johannesburg (2002) sobre desenvolvimento sustentável, reconheceu a cultura como sendo o quarto pilar do desenvolvimento, ao lado da economia, da ecologia e do social.

Neste sentido, a Secretaria da Cultura do Estado da Bahia tem buscado contribuir para a internacionalização do Estado e da capital baiana. Diante deste desafio, já é realidade instrumentos de fomento, inéditos, para a dinamização da produção cultural local, através do intercâmbio cultural, como edital de intercâmbio internacional, o de residências artísticas, o apoio a centros de residências para acolhimento de artistas estrangeiros e as ações de promoção da cultura baiana no mundo a partir de uma visão diversa e pluralista. Temos realizado programas em parceria com instituições do governo federal, no sentido de atrair empresários da cultura, diretores de programação de centros culturais importantes para conhecer in loco a produção cultural baiana.

Iniciativas como a Bahia Film Commission, que visa inserir o Estado no circuito internacional das grandes locações e produções audiovisuais e a transformação do Teatro Castro Alves em um centro internacional de referência em engenharia do espetáculo, podem dar frutos interessantes. Temos a intenção de disponibilizar espaço físico para sede de organismos como Unesco, escritório do Ministério das Relações Exteriores e de outras entidades internacionais que possam vir a contribuir com o desenvolvimento local. A atração de eventos internacionais para a Bahia, como o IBAS – I Festival Índia Brasil e África do Sul de Música e Dança ou a participação em eventos internacionais como aconteceu recentemente com os artistas baianos na ARCO – Feira Internacional de Arte Contemporânea, na Espanha, são iniciativas que demonstram o interesse e esforço do novo governo para dar a Salvador todo o potencial que ela possui.

* Monique Badaró é Assessora Chefe de Relações Internacionais da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. Este texto é uma adaptação da participação da assessora em mesa redonda nas Faculdades Jorge Amado no dia 18 de março de 2008.

2 comentários:

  1. O discurso de internacionalização de Salvador é bonito, mas esquece um elemento essencial no processo: "comunicação". Como é que empresários, governantes, decision-makers baianos querem vender a imagem da cidade internacionalmente se quase nenhum profissional envolvido no atendimento e recepção dos visitantes falam INGLÊS (até meia-boca já servia).
    Para aqueles que acompanharam as transformações do Centro Histórico de Salvador desde a década de 80, fica evidente que as putas (me perdoe o termo) têm se esforçado mais em vender seus serviços usando uma língua estrangeira ("ingrês" + portunhol, e até alemão) do que os negociantes da área.
    Fico imaginando como será a recepção dos visitantes antes e durante a copa do mundo de 2014. Na base do "apontar" e "balancar a cabeça". Vai ficar feio ver isso na BBC.

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  2. Niels
    Infelizmente existe uam realidade que voce expõem, concordo em parte contigo, COMUNICAÇÃO é uma palavra chave para o desenvolvimento da cidade em terrenos internacionais.

    Os atores locais precisam investir e muito em educação e comunicação, para evitar reportagens de duplo sentido da cidade na midia internacional.

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