No ano em que quatro grandes ONGs comemoram aniversários “redondos”, um balanço sobre como o movimento ambientalista evoluiu e se fragmentou enquanto ganhou espaço na pauta mundial
2011 é ano de comemoração dentro do movimento ambientalista já que quatro grandes ONGs fazem aniversários “redondos” – uma coincidência e tanto. O WWF Internacional completa 50 primaveras e o brasileiro 15, apesar de ter entrado no País em 1971, como parte da rede americana. O Greenpeace e a Federação Internacional Amigos da Terra comemoram 40 anos de lutas e o SOS Mata Atlântica, 25.
Esse tempo de estrada trouxe para as ONGs amadurecimento e a responsabilidade pelo mundo onde vivemos hoje. O Greenpeace, por exemplo, conseguiu, junto a outras organizações, a aprovação da Moratória da Soja no Brasil para proteger a Amazônia do desmatamento. E se hoje o mico-leão-dourado pode ser visto na Mata Atlântica, o mérito é do Programa de Conservação da WWF. O primeiro de seus projetos, iniciado há trinta anos, é referência mundial por ter retirado a espécie do risco de extinção.
Resgatar o passado dessas instituições é deparar com a evolução do movimento ambientalista como um todo. A partir da década de 70, preservar a natureza passa a ser cada vez menos assunto restrito a ecologistas e entra na pauta da mídia e dos governantes. As tecnologias de comunicação se desenvolvem e o mundo se conecta mais, e assim, surge a consciência de que é preciso cuidar da tanto da natureza quanto do espaço urbano – onde também há natureza. “Em quarenta anos, a questão ambiental deixa de ser assunto marginal. As preocupações se tornam de âmbito global”, afirma Paulo Adário, coordenador da campanha de Amazônia do Greenpeace.
Foi na ECO 92, conta Adário, que o Brasil descobriu “algo chamado meio ambiente”. A Conferência da ONU, no Rio de Janeiro em 1992, foi um marco também devido à grande participação de organizações não-governamentais, até então pouco conhecidas. “Há trinta anos, ninguém sabia o significado da palavra ‘ONG’ e a ECO 92 apresentou um novo tipo de articulação para debater com o governo e reivindicar direitos e bens comuns”, diz Vera Masagão, diretora-executiva da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG). Até então, segundo Vera, as articulações eram basicamente em associações e clubes regionais.
Os poucos grupos articulados até 1992, ganharam a companhia de milhares de ONGs. O Greenpeace, por exemplo, já fazia muito barulho pelo mundo e chegou aqui naquele ano, numa manifestação contra a usina nuclear de Angra dos Reis. Com a ECO 92, não só as organizações verdes, como as sociais e educacionais também, chegaram para ficar.
TUDO JUNTO E MISTURADO
O movimento ambientalista sofreu, no entanto, um efeito-colateral: a desarticulação. Na década de 80, havia em comum a luta pela liberdade, democracia e a conservação da natureza. O cenário político se estabilizou nos anos 90 e cada grupo pôde se aprofundar nos temas de interesse. “Hoje, cada um levanta uma bandeira própria: pelo fim da energia nuclear, da monocultura, do uso do carvão, etc. Tudo isso faz parte de um mesmo sistema e temos o desafio de apresentar uma proposta que aborde a mudança de forma integral”, diz Fernando Campos Costa vice-presidente do Núcleo Amigos da Terra/Brasil (NAT).
Para Maria Cecília Wey de Brito, Secretária Geral Interina da WWF, a consequência é a segmentação do próprio movimento ambientalista. “Hoje, o terceiro setor só se une quando há um inimigo em comum, como está acontecendo com o Código Florestal. Se ficamos separados, não criamos uma voz forte, eficaz e que atinge a população rapidamente”, diz.
Há pelo menos uma vantagem na profissionalização de cada entidade, apontada pelos representantes das organizações entrevistadas: a produção de pesquisa de maior qualidade. As campanhas hoje são bem embasadas em dados e estudos detalhados em cada assunto. A internet também ajudou a armar as ONGs com mais dados e informação compartilhável.
As ONGs ambientalistas podem até se sentir desarticuladas entre si, mas incorporaram uma causa de peso: a questão social, que quarenta anos atrás, andava sozinha. Desde a ECO 92, o almejado desenvolvimento sustentável aproximou as questões humanitárias e ambientais por um crescimento qualitativo e que considera homem e natureza igualmente relevantes.
Para Belloyanis Monteiro, coordenador de voluntariado da SOS Mata Atlântica, a bandeira do ‘socioambiental’ reflete o amadurecimento do terceiro setor. “Não dá mais para protestar pendurado numa árvore e desconsiderar as comunidades locais”, diz e cita a luta contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte como bom exemplo dessa fusão. “Adoro a frase que diz que hoje ‘é tudo junto e misturado’”.
‘ECOLOGIZAR’ E POLITIZAR
Essa união não é nenhuma novidade para o Núcleo Amigos da Terra/Brasil (NAT), que nasceu em 1964 com projetos sociais e educativos para mulheres com o nome de “Ação Democrática Feminina Gaúcha”. Na década de 70, o discurso ambiental foi incorporado, os homens passaram a fazer parte da entidade e ela foi reconhecida pela Federação Internacional Friends of the Earth, criada em 1971. Hoje, a federação agrega grupos ativistas de mais de 70 países. Segundo Costa, devido a essa trajetória socioambiental, a proposta do NAT sempre foi “politizar a ecologia e ‘ecologizar’ a política”.
O engajamento político é importante para um movimento que atua para alterar leis, políticas públicas e nos setores produtivos. Quando os primeiros ativistas iniciam suas lutas, o barulho se fazia com manifestações, como a que inaugura os trabalhos do Greenpeace. Doze ecologistas rumaram num barco de madeira para o Pacífico Norte, com a intenção de barrar os testes nucleares que os Estados Unidos realizavam na ilha. Adário compara a saga à de “doze Davis lutando contra os Golias do sistema”.
E em tempos de internet, é preciso tomar cuidado para que as mobilizações não se bastem ao campo virtual. “Não adianta a pessoa se filiar a uma organização, escrever no Facebook e achar que isso é militância. Tem que ir para a rua. É a politização do movimento ambiental que dará a sustentabilidade que precisamos”, diz Monteiro. A web é, no entanto, um importante meio para divulgar e até realizar ações, como as campanhas “Floresta faz a diferença” e “Desliga a Motosserra”, mostrando que as ONGs sabem aproveitar os benefícios da era virtual. (Leia mais sobre a politização da sustentabilidade na reportagem “Em busca de reforços”)
Monteiro aponta que faltam mais representantes do movimento ambientalista nas bancadas do governo. Conta com uma dose de saudosismo que, quando a SOS nasceu, a comunicação com a população era feita basicamente via fax e cartas, e mesmo assim, as organizações se uniram e conseguiram eleger Fábio Feldman como deputado federal que os representava. “Demoramos 14 anos para aprovar a lei da Mata Atlântica e outros 19 para a de Resíduos Sólidos. Agora, o Código Florestal está sendo votado. Não temos mais uma bancada para nos representar”.
Maria Cecília concorda e afirma que o movimento está devendo para a sociedade novas lideranças que façam política e dialoguem com outros países. “Os porta-vozes de hoje são os mesmos da década de 70”, diz.
CRISE EM FAMÍLIA
Desde a ECO 92, o terceiro setor assistiu a um boom de entidades com os mais diferentes interesses, tamanhos e alinhamentos políticos. A pluralidade retrata a diversidade da sociedade civil e, nesse cenário, o papel das grandes, como o Greenpeace e o WWF, é crucial. Para seus representantes, as grandes são como irmãos mais velhos que devem representar o terceiro setor e ter uma postura ética e exemplar para as ONGs menores. “Transparência é fundamental porque somos representantes da sociedade civil”, diz Adário.
Como em toda grande família, no entanto, há sempre os “primos-problemas”, e no caso do terceiro setor, eles são as entidades usadas para lavagem de dinheiro público. O termo “ONG” aparece em manchetes com denúncias de corrupção e as entidades sérias sentem o peso de da generalização. “Existem ONGs e ‘ONGs’. Elas não são todas iguais. As que agem de má fé atrapalham o trabalho das sérias”, diz Monteiro.
Costa ressalta que com o tema do meio ambiente em alta – em propagandas, na mídia, nos discursos de empresas – há outro perigo para o trabalho das organizações, que chama de “ambientalismo de mercado”. “A massificação do tema tem gerado imprudência no conhecimento. O discurso capitalista está se apropriando do tema da economia verde para vender soluções ineficazes. Dá mesmo para ter carvão verde?”, questiona.
Mesmo com todas as dificuldades no caminho, comemora-se com maturidade o que passou. Ao fazer um balanço dos 40 anos de trabalho do NAT, Costa diz que o que ficou de mais forte é o movimento ambiental acreditando na participação como forma de mudar o curso da história. A partir do anos 90, as ONGs reivindicaram seu espaço na sociedade civil e na política e hoje se mostram cruciais para dar voz à sociedade civil. São lutas que começaram contra Golias, mas que hoje, têm o reforço de vários exércitos de Davis.
Fonte: Página 22