Estratégias de sustentabilidade urbana


A “Agenda 21”, documento aprovado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro, estabeleceu diretrizes para mudança do padrão de desenvolvimento global para o século XXI. Trata-se de uma tentativa de promover, em todo o planeta, um padrão de desenvolvimento que venha a conciliar os instrumentos de proteção ambiental, eqüidade social e eficiência econômica. No Brasil, o Decreto Federal de 26 de fevereiro de 1997 criou a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda XXI Nacional, com a finalidade de propor estratégias de desenvolvimento sustentável e coordenar, elaborar e acompanhar a implementação da Agenda 21. Entre os temas centrais desse documento encontram-se as cidades sustentáveis. No decorrer de discussões sobre a Agenda 21 brasileira, buscou-se diagnosticar os problemas urbanos e ambientais e as estratégias de sustentabilidade urbana.

De acordo com a análise realizada, a rede urbana brasileira caracteriza-se por diferentes escalas de cidades, tais como as regiões metropolitanas e grandes, médias e pequenas cidades. É certo que cada uma dessas cidades possui desafios próprios para o desenvolvimento sustentável. Se, por um lado, as cidades brasileiras 
apresentam problemas similares, em maior ou menor escala, “problemas intraurbanos que afetam sua sustentabilidade, particularmente os decorrentes de: dificuldades de acesso à terra urbanizada, déficit de moradias adequadas, déficit de cobertura dos serviços de saneamento ambiental, baixa qualidade do transporte público, poluição ambiental, desemprego e precariedade de emprego, violência/precariedade urbana e marginalização social”

Por outro lado, essas  cidades também apresentam sinais positivos de desenvolvimento, como, por exemplo, “maior dinamismo econômico e social, articulação mais ampla entre governo e sociedade, democratização da esfera pública, fruto de experiências inovadoras e boas práticas de gestão local”

 Para que as cidades brasileiras do século XXI possam vir a ser palco de uma vida urbana enriquecida, será necessário que se operem “transformações dos padrões insustentáveis de produção e consumo que resultam na degradação dos recursos naturais e econômicos do país, afetando as condições de vida da população nas cidades”
Entre as propostas estratégicas de sustentabilidade urbana, identificadas como prioritárias para o desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras, encontram-se as seguintes:

a)  o aperfeiçoamento e a regulamentação do uso e da ocupação do solo urbano e a promoção do ordenamento do território, contribuindo para a melhoria das condições de vida da população, considerando a promoção da eqüidade, a eficiência e a qualidade ambiental; 
b)  a promoção do desenvolvimento institucional e do fortalecimento da capacidade de planejamento e de gestão democrática da cidade, incorporando no processo a dimensão ambiental urbana e assegurando a 
efetiva participação da sociedade; 
c)  a realização de mudanças nos padrões de produção e de consumo da cidade, reduzindo custos e desperdícios e fomentando o desenvolvimento de tecnologias urbanas sustentáveis; 
d)  o desenvolvimento e o estímulo à aplicação de instrumentos econômicos no gerenciamento dos recursos naturais visando à sustentabilidade urbana.

Em matéria de regulamentação do uso e da ocupação do solo urbano, o Estatuto da Cidade estabeleceu normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (parágrafo único do art. 
1º). A propriedade urbana tem como fundamento a sua função social. A função social da propriedade, como afirma José Afonso da Silva, não se confunde com os sistemas de limitação da  propriedade, pois estes se relacionam com o respeito ao direito do proprietário, enquanto a função social da propriedade integra a própria estrutura do direito de propriedade

Como determina o § 2° do art. 182 da Constituição Federal de 1988, a  propriedade urbana cumprirá sua função social quando atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Caso a política de desenvolvimento urbano municipal estabelecida no plano diretor não tenha como prioridade “atender as necessidades essenciais da população marginalizada e excluída das cidades, estará em pleno  conflito com as normas constitucionais norteadoras da política urbana, com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, em especial com o princípio internacional do desenvolvimento sustentável”

Ressalte-se, ainda, que a Constituição Federal de 1988 determinou quais instrumentos poderiam ser utilizados pelo Poder Público Municipal para exigir do proprietário urbano o adequado aproveitamento de sua propriedade em razão de solo urbano não-edificado, subutilizado  ou não-utilizado (art. 182, § 4°, I, II e III, da CF/88). O Estatuto da Cidade, ao fixar as  diretrizes gerais da política urbana, estabeleceu os contornos dos instrumentos para garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana: o parcelamento e edificação compulsórios, o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) progressivo no tempo e desapropriação para fins de reforma urbana

Não apenas a regulamentação do uso e da ocupação do solo urbano deve contribuir para a melhoria das condições de vida da população, mas também a promoção do ordenamento do território deve buscar que a todos sejam asseguradas a eqüidade no acesso aos equipamentos e serviços públicos bem como aos recursos ambientais, a eficiência na prestação dos serviços e a qualidade ambiental. Nesse sentido, destaque-se o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), instrumento de ordenamento do território, que deve ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas. Esse instrumento estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população

Henri Acselrad distingue três momentos da realização do ZEE: a pré-compreensão do mundo da ação, a configuração do ordenamento proposto e a mediação social, destacando que “o campo da intervenção política do ZEE não se limita ao momento da decisão final, mas perpassa todo o processo [...], definindo um novo lócus de negociação e conflito em torno do acesso aos recursos ambientais”

A sustentabilidade urbana também é enfocada sob o prisma da gestão democrática das cidades. O Estatuto da Cidade prevê, nesse  sentido, que sejam utilizados os seguintes instrumentos: a) órgãos colegiados de política urbana nos níveis nacional, estadual e municipal; b) debates, audiências e consultas públicas; c) conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; d) iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 43, I, II, III e IV). O orçamento participativo
42
instrumento que já vem sendo utilizado em alguns municípios brasileiros, como Porto Alegre (desde 1989) e Belém (1997), também foi incluído no Estatuto da Cidade como um dos instrumentos de planejamento municipal (arts. 4º, III, “f”, e 44). É justamente num processo de democratização do Estado que as políticas públicas são decididas pelos seus destinatários, ou seja, a participação popular garante a escolha das prioridades em matéria de políticas públicas no espaço urbano. Os organismos das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas também deverão assegurar a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade (art. 45 do Estatuto da Cidade). Em realidade, pode-se afirmar que a gestão democrática das cidades representa a única possibilidade de que os instrumentos de política urbana não sejam apenas “ferramentas a serviço de concepções tecnocráticas, mas, ao contrário, verdadeiros instrumentos de promoção .

 “O Orçamento Participativo (OP) é uma brilhante experiência de participação popular. Mais do que decidir as obras que serão feitas no outro ano, trata-se de um  processo inserido na dinâmica do planejamento do desenvolvimento da cidade, organizado a partir do Congresso da Cidade e que democratiza a gestão municipal, tornando o governo transparente, permeável e, o mais importante, criando um controle da sociedade sobre o governo e sobre a execução do que foi decidido pelo povo” (NOVAES, Jurandir Santos de; RODRIGUES

. Busca-se uma nova conexão entre a cidade legal e a cidade real, por meio da formulação de um novo pacto territorial. Todavia, é importante sublinhar que infelizmente houve um veto na disposição do art. 52, I, desse diploma legal, que determinava que incorreria em improbidade administrativa o prefeito que impedisse ou deixasse de garantir a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil. E, como afirma Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho, isso torna bastante “evidente que sequer a liderança política do País entende ser exigível a participação democrática, embora intenção proclamada e reafirmada no texto constitucional”

As mudanças nos padrões de produção e de consumo da cidade implicam sobretudo modificações comportamentais. Ações em matéria de educação ambiental, propiciando a conscientização da população, são fundamentais. Só assim será possível a redução de desperdícios. Há que se atentar igualmente para o fomento ao desenvolvimento de tecnologias urbanas sustentáveis, como em matéria de construção de imóveis e tratamento de resíduos urbanos.

A aplicação de instrumentos econômicos no gerenciamento dos recursos naturais visando à sustentabilidade urbana deve estar orientada a uma melhor implementação dos princípios poluidor-pagador e usuário-pagador. Todavia, isto não pode significar pura e simplesmente a “mercantilização” dos recursos ambientais e a exclusão de parte da população ao acesso a esses bens, tais como a água e o ar em quantidade e qualidade suficiente para uma digna qualidade de vida.

Conclusão 
A sociedade já se encontra majoritariamente instalada em cidades, e as questões socioambientais têm e terão cada vez mais um papel predominante na determinação das políticas públicas no meio ambiente urbano. Trata-se de assegurar condições dignas de vida urbana a todos, buscando um equilíbrio social e ambiental 
do planeta. Não se trata de abandonar os modelos clássicos de regulação do mercado ou de intervenção direta na construção dos equipamentos e na prestação de serviços públicos. Mas há a necessidade de democratização nas escolhas prioritárias de cada sociedade. Essas escolhas fundamentarão as ações e os 
programas governamentais, ou seja, as políticas públicas. Ao lado da ação governamental são as parcerias entre o setor público e o setor privado que devem auxiliar no processo de gestão sustentável do meio ambiente urbano

POR
SOLANGE TELES DA SILVA

FACEBOOK