Desde que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, ganhou as eleições presidenciais há 12 anos, os partidos que conformam a oposição se fingem de desentendidos e ainda, pela mesma razão, não aceitaram que em seu país a mudança política e social era necessária e urgente.
Não aceitá-lo, no entato, implica não reconhecer os direitos das maiorias, fato pelo qual se produziu a repressão do Caracazo nos tempos de Carlos Andrés Pérez, que custou centenas de vidas e que determinou o levantamento do então coronel Hugo Chávez, depois encarcerado, episódio que no fim das contas significou o início da mudança.
Pareceria uma bobagem, mas não é. Por trás dessa atitude estão os negócios perdidos, como o petroleiro, e outros fundos públicos, ao que teria que agregar o medo dos setores populares que hoje exercem seus direitos, e que só poderiam ser impedidos de fazê-lo pela força que neste momento a oposição não possui.
Daí que não conseguissem ocultar sua alegria ao conhecer que o presidente Chávez tinha sido submetido a uma operação em Cuba. E quando se começou a especular que o mandatário teria câncer, pressionavam para que se traspassasse o poder ao vice-presidente e se iniciasse a contagem regresiva.
Durante esses poucos dias difamaram aos servidores públicos governamentais, dizendo que "o que deixa Chávez são dirigentes de calças curtas", enquanto outros, ao "lamentar" a doença presidencial diziam que o câncer criava situações de ânimo que lhe impediriam de desempenhar suas funções, mas que não lhe desejavam a morte.
A jogada opositora fracassou, os de "calça curta", ou seja, o vice-presidente Elías Jagua, recusou a "ascensão" que lhe ofereciam os opositores aos que qualificou como "setor doente, deshonrado", de ódios profundos e que não faz mais que regozijar em sua orgía de morte".
Assim, com apego estrito à Constituição e com o respaldo expresso das forças armadas, manifestado pelo general Henry Rangel, chefe do Comando Estratégico Operacional, Venezuela conheceu com calma e por voz de seu presidente, qual era o estado de sua saúde.
O regresso
Na quinta-feira 30 de junho, em uma transmissão televisiva desde Havana, o presidente Chávez informou em detalhe das operações a que tinha sido submetido para extirpar um tumor canceroso. Além de um relatório médico, a mensagem foi também uma expressão de seus sentimentos e crenças religiosas.
Ao dia seguinte registraram-se manifestações na praça Bolívar, na praça Madariaga, na praça Miranda e em avenidas centrais de Caracas, além de marchas e missas em diversas igrejas, com participação de jovens e adultos nas que se pedia por sua recuperação.
Quatro dias depois, o mandatário surpreendia o país ao chegar de madrugada desde Havana. Horas mais tarde uma multidão tinha-se reunido em frente ao palácio de governo e Chávez falou desde o balcão conhecido como "balcão do povo".
Seu discurso foi uma informação completa a respeito de como se encontrava e dos cuidados que devia ter nos meses por vir. Vestido de militar e em companhia de suas filhas assinalou: "Não devo estar aqui muito tempo, vocês sabem as razões. Esta batalha também a ganharemos e a ganharemos juntos!... Estou submetido e devo estar submetido durante um tempo a um estrito controle médico e científico passo a passo, e sei que o compreendem e são os primeiros em acompanhar para a vitória definitiva. Viveremos e venceremos..."
Relatou que tinha estado quatro dias em terapia intensiva, disse que ainda não está ganhando a batalha, que "apenas comecamos a lutar" e terminou sua intervenção dizendo que "nós viveremos, nós venceremos. Que viva a vida. Até a vitória sempre."
Militares e socialismo
Ao dia seguinte, o mandatário deu início, desde o palácio de Miraflores, ao desfile cívico-militar de comemoração do Bicentenário da Independência. No desfile, pôde-se ver o armamento moderno que a Venezuela adquiriu nestes anos e que provém majoritariamente da Rússia, desde que os Estados Unidos começaram a pôr impecilhos nas vendas. Nesta ocasião produziu-se um fato interessante: o Inspetor Geral do Exército, General de Divisão, Carlos Alcalá Cordones, explicou em entrevista televisiva os lemas vinculados ao socialismo que se fazem desde a Força Armada Nacional Bolivariana.
Disse que esta é "subordinada ao povo, com critério, moralizada, includente e inquebrantável". E agregou: "É um mandato de nossa Constituição de corresponsabilidade com o povo. Unidos em um único bloco para enfrentar qualquer tipo de situação que se apresente".
Isto se agrega às declarações do general Rangel, que já mencionamos, e abre algumas questões, porque desde que os militares peruanos tomaram o poder encabeçados pelo general Juan Velasco Alvarado não se conheciam propostas tão diferentes aos que hoje têm a quase totalidade dos exércitos latinoamericanos.
O contexto internacional
Desde que chegou ao governo, o presidente Chávez tem sido objeto de numerosas tentativas desestabilizadoras. A de maior envergadura foi o golpe frustrado no que estiveram envolvidos os Estados Unidos, já que se tratou de um fato no que teve ativa participação Otto Reich, a quem o então presidente Bush, pôs um tempo a cargo dos assuntos latinoamericanos.
E para além desse episódio,a relação nunca tem sido amistosa. O governo de Chávez recuperou a faixa petroleira do Orinoco, o que significou a perda de um grande negócio para a Chevron Texaco, empresa à que estava vinculada Condoleeza Encrespe, secretária de Estado de Bush.
Agora, Estados Unidos acaba de lembrar as sanções a Venezuela por suas relações com Irã e tenta se envolver nos planos iranianos para instalar uma central de energia nuclear. Na América Latina há claramente dois setores, ainda que as declarações de unidade proliferem. A Venezuela tem impulsionado importantes iniciativas integracionistas, como a Petrocaribe e o Banco do Sul, mas as forças que se movem em sentido contrário têm obstaculizado, por exemplo, o acesso venezuelano ao Mercosul.
Algumas correntes televisivas estadunidenses já estão semeando dúvidas sobre o estado de saúde do presidente Chávez e sua recuperação porque este disse que será por etapas. Mas isto é assim, e quem tenha alguma mínima informação sobre o câncer o sabe.
O importante nessa doença é a atitude do paciente e dos que o rodeiam. Mas o que se quer, pelo visto, é criar a priori a sensação de derrota porque há eleições presidenciais em Venezuela no próximo ano e o presidente Chávez poderia estar em condições de postular, ganhar e governar.
Frida Modak é jornalista chilena radicada no México e colabora com a Prensa Latina.